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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Quimioterapia - Ciclo 3

A QUEDA DO CABELO

Fomos para mais uma sessão expectantes e confiantes que iria correr bem. Era o último de 3 fármacos diferentes que são utilizados no protocolo e que alternam entre si.

Vincristina
Ciclofosfamida

Este último fármaco necessita de uma pré medicação para proteger os rins, dado que é altamente corrosivo.

Quando iniciamos este ciclo a Matilde já ia a perder bastante cabelo, caia em mechas e apesar de ainda ter muito na cabeça, era incrível a quantidade de cabelo que ela tinha nas costas, roupa e na cama. 

Fui preparando terreno para o inevitável, algo que ela já sabia que ia acontecer, mas que agora tinha chegado a hora. Rapar o cabelo.

Durante o internamento a quantidade de cabelo que perdia era tanta, que tiveram que lhe dar uma touca, daquelas que se usa nos blocos operatórios. Ainda ponderamos rapar o cabelo no IPO, mas o Pai fazia questão que fosse em casa. 

Em relação aos fármacos em si, este ciclo é o menos agressivo, mas 'ataca' com toda a força os valores analíticos: plaquetas, hemoglobina e os glóbulos brancos vêm todos por aí abaixo. Começou também neste internamento a perder o apetite que tinha. 

Este internamento foi o ponto de viragem neste processo, onde se começou a tornar real o processo que estávamos a passar. A queda do cabelo, os valores analíticos, a perda do apetite, a diminuição da predisposição para brincar; factores que chegaram em catadupa. 

No último dia do internamento, a quantidade de cabelos que caía era surreal, e quando a Matilde estava a comer um gelado apanhou um cabelo e entrou-lhe na boca. Agoniou-se e veio tudo para fora. Ficou claro que teríamos de tratar do assunto com urgência. 

Combinamos as duas naquele dia, que quando chegássemos a casa e dado que o cabelo iria ser rapado, o íamos pintar de vermelho antes de o tirar. 

E assim foi: antes de irmos para casa passámos no Continente, comprámos a tinta vermelha (das que sai com a lavagem, aquela era da L'Oreal) e fomos para casa 'brincar'.

Sentámos a Matilde na cadeira na cozinha e pintei-lhe o cabelo com as mãos, com muitos cabelos a cair e com um grande sorriso as duas. Ficou radiante quando viu o resultado final! Ficou meio vermelho, meio rosa; lindo de morrer!! 

Quando já estava todo pintadinho, disse-lhe: "Vai brincar amor, aproveita esse cabelo lindão que à noite tiramos o cabelo", ao que ela me respondeu: "Não Mãe, tira já!".

Mais uma vez surpreendeu-me a rapidez e a maturidade da decisão. Ela já me andava a pedir para rapar o cabelo há alguns dias, pelo que queria despachar logo aquilo para depois se poder dedicar às bonecas, filhos e netos, papinhas e fraldas que a esperavam no quarto.

Sentámo-la novamente na cadeira e com a tesoura, o Pai foi o primeiro a cortar uma mecha, a seguir foi o Duarte, eu e por fim ela. Todos demos uma tesourada no seu cabelo. Depois o pai continuou o seu trabalho, enquanto o mano saltitava na cozinha e eu ia falando com ela. O cabelo amontoava-se no chão, conversávamos e riamos, dizíamos parvoíces e o ambiente estava leve e animado. Aquela cozinha emanava amor por todo o lado. De vez em vez o olhar do Miguel procurava o meu e vice versa, para analisar o interior do outro. Ganhámos este hábito. Quando a situação aperta, é nos olhos que nos olhamos, tentando perceber o que se está a passar lá dentro. Não precisamos falar, o olhar chega.

Antes deste dia chegar, a queda do cabelo era uma coisa que me assustava bastante, achava eu que, quando chegasse o dia, eu iria chorar baba e ranho. Dizia a toda a gente que era a parte que mais me custava, ver a minha filha careca, porque querendo ou não o 'selo' do cancro torna-se visível a todos. Estava tão errada! Foi num ambiente de amor, alegria e muita paz que tudo isto aconteceu. E mais uma vez senti-me grata. Grata pela filha que tenho, grata pela família que construí, grata por tudo aquilo que o universo me dá todos os dias, porque mesmo a nossa família tendo um cancro, temos muito mais amor. 

A partir desse dia a nossa Matilde passou a ser o nosso Ruquinha. Foi ideia dela e o mano chama-lhe isso com um carinho que enternece o coração só de ouvir!

Temos um Ruca em casa, só para nós! Que privilégio!



A comer o gelado antes de vomitar
O resultado final do cabelo pintado




Yeahhhh, carequinha! Com o meu mano!

3 comentários:

  1. Mais uma narração que, ao contrário
    do que se esperava, parece um conto. E um muito lindo porque, após ficarmos com lágrimas no olhos acabamos com um sorriso no rosto. Beijinhos a todos 😍

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  2. Martinha cada texto que escreves aumenta o meu orgulho por teres cruzado a minha vida. Em cada palavra, em casa frase é só força e amor que transmites. Vocês são maravilhosos e eu adoro-te ♥️
    Cláudia Major

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  3. Como eu gosto de vocês❤️❤️❤️❤️ agradeço por vos ter conhecido são espectaculares, sou vossa fã😘😘😘😘

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