COMO DIZER O DIAGNÓSTICO EM LINGUAGEM INFANTIL?
Fomos vivendo os dias com calma. A Matilde estava estável sem sintomas daquele bicho estranho que estava alojado nela.
No dia que éramos para começar a quimioterapia, quando vínhamos a caminho de casa, sabia que tinha de lhe dizer o que se passava com ela. Iria ser sujeita a vários tratamentos, o seu pequeno corpo iria sofrer alterações visuais, iria sentir todas os efeitos dos medicamentos, injecções diárias. Se não lhe explicasse ela não iria suportar e não perceberia nunca o que se estava a passar.
Não são esses os meus valores, não é essa a minha forma de estar na vida. Sou honesta e franca, gosto que os meus filhos vivam baseados no que é a verdade da vida e que saibam que a vida tem de tudo um pouco, felicidade, alegria, injustiças, momentos de dor e outros de muita alegria, que tem muito amor e mais pessoas boas que más.
Quando entrámos no carro comecei a conversa.
"Filha, tu sabes que estás doente, certo? Tem-te doido muito a barriga e os médicos precisaram destes exames todos para perceber o que tinhas. Queres saber o que tens?" - perguntei
Ela é muito curiosa e perspicaz.
"Sim Mãe!" - respondeu ela cheia de entusiasmo
"A médica viu que tinhas umas massas na tua barriga e no teu pescoço, por isso eles te doem tanto" - deixei-a baralhada
"Umas massas como as que nós comemos Mãe?"
"Não filha, como a plasticina que fazes na escola, quando juntas muita plasticina dá uma grande bola, não é? É mais ou menos assim"
"Ahhhh já percebi Mãe"
"Agora os médicos têm que pôr uns medicamentos na tua torneirinha, uns medicamentos muito fortes para a tua massa sair"
"Mãe e vai sair por onde? Como os bebés?"
"Nãooooo filha, ela vai simplesmente desaparecer, vai ficando pequenina, pequenina e desaparece"
"Sim, está bem. E eu vou ficar boa?"
"Espera-se que sim filha. Mas isto vai demorar um pouquinho de tempo"
"Eu sei Mãe, temos que chegar ao 5, eu ouvi a Dr.ª" - desarmou-me. Ela tinha ouvido a Dr.ª Gabriela a explicar os passos do tratamento e sabia que eram 5 e que o 5º era o último. Inteligente a minha filha!
"Isso mesmo meu anjo! Mas olha mais uma coisa, é provável que aqueles medicamentos te deixem um pouquinho mal disposta, porque eles vão lutar com as massas. E provavelmente vais vomitar, mas não faz mal, que depois passa e fica tudo bem. A Mãe estará sempre contigo!"
"Mãe, mas eu tenho medo de vomitar"
"Pedimos uns pós mágicos para não vomitares, pode ser?"
"Boaaaa!"
"Enquanto fazes o tratamento ficamos a dormir no hospital, mas assim que acabar o tratamento e se estiveres bem, vamos logo para casa"
"Ohhh Mãe, outra vez a dormir no hospital? Não quero!"
"Filha, é para ficares bem, para a massa ir embora de vez e depois poderes brincar e ir à escola todos os dias, combinado? Vais ver que passa num instante, além disso tens lá os Dr. Palhaço e outros meninos que também têm massas como tu. Podes brincar com eles!"
"Ok Mãe, vou ver"
"Tens mais alguma pergunta filha?"
"Não Mãe"
Viemos em silêncio o resto do caminho e achei que já lhe tinha dado demasiadas informações naquele dia para lhe falar do cabelo. Ainda não era o momento e essa era a parte mais dura para mim.
A partir desse dia, ela passou a dizer a toda a gente que tinha duas massas, uma no pescoço e outra na barriga. E dizia com a alegria de quem diz que tem mais um bebé na família.
As pessoas não queriam crer que era verdade tal era a leveza com que o assunto lhes era comunicado. Ela dizia aquilo com aquela leveza, a Mãe e o Pai Miguel sorriam, o mano continuava bem disposto.
Faz confusão, sei que sim. Mas para pesado, já chega o diagnóstico, não é preciso colocar ainda mais peso em cima.
Mas queria tratar a doença dela pelo nome certo e queria que ela se sentisse à vontade com isso também. E queria falar-lhe do cabelo. Quem conhece a Matilde sabe que ela é uma menina no seu todo, ela tem tutus, vestidos, é pindérica, vaidosa e dá muita importância à sua aparência.
Num dia à noite, ela brincava com um slime na cama, e aquilo colou-se no cabelo da parte da frente da cabeça. Não existia solução se não cortar. E lá foi ela para a casa de banho e cortei-lhe aquele pedaço. E para ela não ficar triste, disse-lhe "Vês agora tens uma franja de crescida! UAUUUUUU que linda!". Convenci-a! E depois lembrei-me, é este o momento Marta. Vamos lá...
"Sabes filha, em breve, por causa dos tratamentos que vamos fazer para a massa, o teu cabelo vai cair, por isso não faz assim tão mal cortarmos este pedaço. Apesar de ficares muito bem de franja!" - iniciei
Ela fixou-me com os olhos muito abertos e cheios de lágrimas
"Mãe, o meu cabelo é que não. Isso não Mãe."
"Ohhh filha, mas sabes que volta a crescer não sabes?"
"Mas isso demora muito e eu não quero ficar careca!"
Chorava copiosamente abraçada a mim com o mano e o Pai a verem como eu ia dar a volta aquilo. O Pai até me disse que não havia necessidade de lhe ter dito aquilo, que quando caísse logo se via. Mas não. Era agora!
"Filha, vê o lado bom, podes usar todas as perucas que quiseres. Da Rapunzel, da Ariel, da LadyBug, não é um máximo?"
"Mas eu não tenho Mãe"
"Eu compro-te filha!"
"Mãe, prometes?"
"Mas é claro que sim meu anjo!"
"Então está bem!"
E antes de adormecer ainda voltou a perguntar "Mãe o cabelo cresce mesmo outra vez?", sosseguei-a dizendo-lhe que sim e que não se preocupasse.
Pronto, estava feito. Agora sei que um milhão de perguntas voam naquela cabeça, mas ela não seria capaz de as fazer. Vou contornar isto. E assim foi.
No dia seguinte fui à FNAC e comprei um livro, que já tinha ouvido falar, que se se chama "A Matilde está careca". Este livro além de ter o nome correcto da personagem, também é muito explicativo e trata o cancro por tu.
Assim que chegamos a casa, sentei-me com o Duarte e com a Matilde e comecei a história.
As perguntas iam fluindo, tanto de um como de outro e eu ia respondendo o melhor que sabia, sempre com a verdade.
"Mãe então eu tenho umas massas cancuru?"
"Não filha, as tuas massas chamam-se cancro"
"Ahh então eu tenho um cancuru, não é mãe?"
"Sim filha"
"E vou ficar boa?"
"Se tiveres muita muita força e comeres, nem que seja um pouquinho, ficarás sim filha"
"Vou comer sim Mãe, mas às vezes, só um bocadinho, pode ser?"
"claro que sim meu anjo!"
Os vómitos foram explicados, o cabelo também, as ausências de casa, tudo. O livro é de facto maravilhoso, tão maravilhoso que a Matilde sentiu necessidade de o enviar para a escola dela para que os amigos percebessem a sua situação.
A minha filha é grande ou não?
Em relação às crianças, somos nós adultos que colocamos a importância nas coisas conforme as dizemos.
Fomos vivendo os dias com calma. A Matilde estava estável sem sintomas daquele bicho estranho que estava alojado nela.
No dia que éramos para começar a quimioterapia, quando vínhamos a caminho de casa, sabia que tinha de lhe dizer o que se passava com ela. Iria ser sujeita a vários tratamentos, o seu pequeno corpo iria sofrer alterações visuais, iria sentir todas os efeitos dos medicamentos, injecções diárias. Se não lhe explicasse ela não iria suportar e não perceberia nunca o que se estava a passar.
Não são esses os meus valores, não é essa a minha forma de estar na vida. Sou honesta e franca, gosto que os meus filhos vivam baseados no que é a verdade da vida e que saibam que a vida tem de tudo um pouco, felicidade, alegria, injustiças, momentos de dor e outros de muita alegria, que tem muito amor e mais pessoas boas que más.
Quando entrámos no carro comecei a conversa.
"Filha, tu sabes que estás doente, certo? Tem-te doido muito a barriga e os médicos precisaram destes exames todos para perceber o que tinhas. Queres saber o que tens?" - perguntei
Ela é muito curiosa e perspicaz.
"Sim Mãe!" - respondeu ela cheia de entusiasmo
"A médica viu que tinhas umas massas na tua barriga e no teu pescoço, por isso eles te doem tanto" - deixei-a baralhada
"Umas massas como as que nós comemos Mãe?"
"Não filha, como a plasticina que fazes na escola, quando juntas muita plasticina dá uma grande bola, não é? É mais ou menos assim"
"Ahhhh já percebi Mãe"
"Agora os médicos têm que pôr uns medicamentos na tua torneirinha, uns medicamentos muito fortes para a tua massa sair"
"Mãe e vai sair por onde? Como os bebés?"
"Nãooooo filha, ela vai simplesmente desaparecer, vai ficando pequenina, pequenina e desaparece"
"Sim, está bem. E eu vou ficar boa?"
"Espera-se que sim filha. Mas isto vai demorar um pouquinho de tempo"
"Eu sei Mãe, temos que chegar ao 5, eu ouvi a Dr.ª" - desarmou-me. Ela tinha ouvido a Dr.ª Gabriela a explicar os passos do tratamento e sabia que eram 5 e que o 5º era o último. Inteligente a minha filha!
"Isso mesmo meu anjo! Mas olha mais uma coisa, é provável que aqueles medicamentos te deixem um pouquinho mal disposta, porque eles vão lutar com as massas. E provavelmente vais vomitar, mas não faz mal, que depois passa e fica tudo bem. A Mãe estará sempre contigo!"
"Mãe, mas eu tenho medo de vomitar"
"Pedimos uns pós mágicos para não vomitares, pode ser?"
"Boaaaa!"
"Enquanto fazes o tratamento ficamos a dormir no hospital, mas assim que acabar o tratamento e se estiveres bem, vamos logo para casa"
"Ohhh Mãe, outra vez a dormir no hospital? Não quero!"
"Filha, é para ficares bem, para a massa ir embora de vez e depois poderes brincar e ir à escola todos os dias, combinado? Vais ver que passa num instante, além disso tens lá os Dr. Palhaço e outros meninos que também têm massas como tu. Podes brincar com eles!"
"Ok Mãe, vou ver"
"Tens mais alguma pergunta filha?"
"Não Mãe"
Viemos em silêncio o resto do caminho e achei que já lhe tinha dado demasiadas informações naquele dia para lhe falar do cabelo. Ainda não era o momento e essa era a parte mais dura para mim.
A partir desse dia, ela passou a dizer a toda a gente que tinha duas massas, uma no pescoço e outra na barriga. E dizia com a alegria de quem diz que tem mais um bebé na família.
As pessoas não queriam crer que era verdade tal era a leveza com que o assunto lhes era comunicado. Ela dizia aquilo com aquela leveza, a Mãe e o Pai Miguel sorriam, o mano continuava bem disposto.
Faz confusão, sei que sim. Mas para pesado, já chega o diagnóstico, não é preciso colocar ainda mais peso em cima.
Mas queria tratar a doença dela pelo nome certo e queria que ela se sentisse à vontade com isso também. E queria falar-lhe do cabelo. Quem conhece a Matilde sabe que ela é uma menina no seu todo, ela tem tutus, vestidos, é pindérica, vaidosa e dá muita importância à sua aparência.
Num dia à noite, ela brincava com um slime na cama, e aquilo colou-se no cabelo da parte da frente da cabeça. Não existia solução se não cortar. E lá foi ela para a casa de banho e cortei-lhe aquele pedaço. E para ela não ficar triste, disse-lhe "Vês agora tens uma franja de crescida! UAUUUUUU que linda!". Convenci-a! E depois lembrei-me, é este o momento Marta. Vamos lá...
"Sabes filha, em breve, por causa dos tratamentos que vamos fazer para a massa, o teu cabelo vai cair, por isso não faz assim tão mal cortarmos este pedaço. Apesar de ficares muito bem de franja!" - iniciei
Ela fixou-me com os olhos muito abertos e cheios de lágrimas
"Mãe, o meu cabelo é que não. Isso não Mãe."
"Ohhh filha, mas sabes que volta a crescer não sabes?"
"Mas isso demora muito e eu não quero ficar careca!"
Chorava copiosamente abraçada a mim com o mano e o Pai a verem como eu ia dar a volta aquilo. O Pai até me disse que não havia necessidade de lhe ter dito aquilo, que quando caísse logo se via. Mas não. Era agora!
"Filha, vê o lado bom, podes usar todas as perucas que quiseres. Da Rapunzel, da Ariel, da LadyBug, não é um máximo?"
"Mas eu não tenho Mãe"
"Eu compro-te filha!"
"Mãe, prometes?"
"Mas é claro que sim meu anjo!"
"Então está bem!"
E antes de adormecer ainda voltou a perguntar "Mãe o cabelo cresce mesmo outra vez?", sosseguei-a dizendo-lhe que sim e que não se preocupasse.
Pronto, estava feito. Agora sei que um milhão de perguntas voam naquela cabeça, mas ela não seria capaz de as fazer. Vou contornar isto. E assim foi.
No dia seguinte fui à FNAC e comprei um livro, que já tinha ouvido falar, que se se chama "A Matilde está careca". Este livro além de ter o nome correcto da personagem, também é muito explicativo e trata o cancro por tu.
Assim que chegamos a casa, sentei-me com o Duarte e com a Matilde e comecei a história.
As perguntas iam fluindo, tanto de um como de outro e eu ia respondendo o melhor que sabia, sempre com a verdade.
"Mãe então eu tenho umas massas cancuru?"
"Não filha, as tuas massas chamam-se cancro"
"Ahh então eu tenho um cancuru, não é mãe?"
"Sim filha"
"E vou ficar boa?"
"Se tiveres muita muita força e comeres, nem que seja um pouquinho, ficarás sim filha"
"Vou comer sim Mãe, mas às vezes, só um bocadinho, pode ser?"
"claro que sim meu anjo!"
Os vómitos foram explicados, o cabelo também, as ausências de casa, tudo. O livro é de facto maravilhoso, tão maravilhoso que a Matilde sentiu necessidade de o enviar para a escola dela para que os amigos percebessem a sua situação.
A minha filha é grande ou não?
Em relação às crianças, somos nós adultos que colocamos a importância nas coisas conforme as dizemos.
Martinha! Vocês são enormes. A princesa so podia ter uma mãe como tu! Beijinhos guerreiras lindas ❤❤
ResponderEliminar