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quinta-feira, 16 de maio de 2019

CVC - Cateter Venoso Central

A IDA AO BLOCO

Como já havia referido anteriormente, a Matilde faz pausas de apenas 10 dias entre os ciclos, pelo que passados 10 dias do primeiro dia do 1º ciclo iríamos iniciar o 2º ciclo.

Estes dias entre o 1º e  o 2º tratamento decorreram com muita calma, a Matilde esteve sempre com energia e fomos trocando sms com a médica para que ficasse a par da situação. A Matilde brincou no parque todos os dias (inclui subir e descer escorregas, baloiços, etc), jantámos fora, jantámos com os avós, saímos. Uma vida dita 'normal' para o que preveríamos que fosse daquele dia em diante. Até nos dava a ilusão que a Matilde não estava assim tão doente e que não tinha feito nenhum tratamento. Mas estava e tinha feito quimioterapia.

Tínhamos acordado, no último tratamento que a Matilde iria colocar um CVC (cateter venoso central) antes do próximo tratamento e esse cateter apenas se coloca às Quintas-Feiras no bloco operatório do IPO.

Assim sendo, no dia que deveria ter começado a quimioterapia, foi o dia em que internámos no Piso 7 mas para colocar o cateter. A Matilde tinha que estar em jejum desde as 9h00 e tínhamos que passar primeiro pelo HD (hospital de dia) para que puncionassem uma veia e fizesse logo hemograma, consulta de anestesia já no piso 7 e depois iríamos para o quarto e aguardávamos a nossa vez de ir ao bloco.

Na sala de espera para a consulta de anestesia estavam mais 3 meninos que também iriam colocar o cateter naquele dia: a Maria, o João e o Santiago. 

A Matilde foi a última a ir à consulta de anestesia, com a maravilhosa Dr.ª Lurdes, e foi-nos dito que a Matilde tinha que fazer plaquetas e sangue antes de descer ao bloco e depois já no bloco teria que fazer novamente outra dose de plaquetas. Os valores estavam muito baixinhos: hemoglobina de 5.9 e plaquetas a 23 mil. Costumam apenas transfundir plaquetas abaixo dos 20 mil, mas como a Matilde iria ser sujeita a cirurgia, iriam reforçar para não termos surpresas na coagulação. Mas o que me surpreendeu mesmo foi a hemoglobina a 5.9, então a Matilde com 8 não saía da cama/sofá e com 5.9 andava a correr no parque? Não acreditei e até questionei novamente a Dr.ª Lurdes, que se riu comigo. Durante a consulta a Matilde começou a mostrar a sua impaciência e o comportamento não foi o melhor, chamei-a a atenção e mostrei má cara. Não pode ser mal educada apenas porque está doente, não posso permitir isso. 

Depois da consulta ficou internada no mesmo quarto que a Maria. O João ficou com o Santiago do outro lado do corredor, dizem que será mais direccionado para rapazes, as meninas ficam no outro lado. Não sei se assim será, mas até faz sentido.

Assim que foi internada começou as plaquetas e a seguir veio o sangue (chamamos as batatas e o bife). As birras iam ficando cada vez maiores por coisas cada vez mais pequenas, deram-lhe uma dose de Atarax, para que dormisse. Ela estava sem comer e sem paciência! Chorou e gritou muito nesse dia: de birra, de fome, de tudo e mais alguma coisa. Não foi fácil impor limites e controla-la.

Quando chegou a nossa vez de ir ao bloco, já eram perto das 18h30. A Matilde já estava acordada no meu colo, as duas com roupa de bloco. Descemos ao bloco e antes de entrar na sala, fez mais uma dose de plaquetas. 

A Dr.ª Lurdes apareceu e fomos encaminhadas para a sala de operações já passavam das 19h00. A equipa ficou toda espantada com a calma da Matilde naquele ambiente e pela sua curiosidade em saber o que é tudo e para que serve. Brincou com todos, de sorriso no rosto, quando a anestesia começava a fazer efeito e adormeceu serena. Ela e eu, que por vê-la assim não fiquei em ansiedades, mas pedi na mesma e antes de sair da sala que cuidassem da minha menina. Peço sempre, cada vez que é anestesiada. 

A cirurgia demorou cerca de 30m e esperei-a no recobro. Enquanto ela 'dormia' mais um pouco fiquei a falar com a Dr.ª Lurdes e com um Enf. que lá estava. Conversámos muito sobre tudo o que a Matilde estava a passar e recebi alguns elogios pelo comportamento da Matilde, "fruto da educação que tem e da maneira como lida com ela". Disseram-me que não é muito normal verem os pais a lidar com a Matilde como eu lido, e repreende-la quando erra ou está a ser mal-criada e a descomplicar todo o processo pelo qual ela tem que passar. Falo muito com a Matilde e explico-lhe sempre honestamente e com antecedência o processo pelo qual vai passar, o que vai ver e como vai ser. Mas o que é comum é verem os pais cederem a tudo e permitirem de mais, sempre com a desculpa que os filhos estão doentes. Compreendo que o façam, mas eu penso mais à frente e a minha principal preocupação é educa-la no sentido de aceitar o que o destino nos coloca à frente e não lutar contra isso. Também é comum vermos pais tão ansiosos com as mais variadas coisas pelas quais os nossos filhos passam que acabam por transmitir isso aos filhos e depois os pequenos ficam descontrolados.

Sei que a Matilde está gravemente doente e tenho muito receio mesmo que ela não resista a esta doença, o cancro. Mas, o meu principal foco é a cura dela. Como posso eu permitir tudo agora que ela está doente e deixá-la fazer tudo e depois quando ela superar este obstáculo? Quando ficar boa? Digo-lhe que já não tem excesso de permissão e que já não vou ceder porque estou já não está doente? Não! 

Posso permitir que exista uma má atitude ou má resposta de vez em quando, afinal este processo é moroso e cansativo; posso permitir que vá a mais sítios e fazer mais coisas que deseja, afinal não sei se vai sobreviver a esta provação; posso até permitir-me comprar-lhe mais coisas que ela desejaria ter, mas não caindo no excesso. Não quero passar uma linha de regras e educação que considero importantes para o seu crescimento e depois quando ficar boa, não só não as vou recuperar, como ela vai sofrer muito porque já não pode uma série de coisas. E aí sim, poderá cair na tristeza e pensar "mais valia estar doente". Não sei se consigo passar a mensagem de forma clara, mas penso que me percebem.

E foi isso que pelos vistos foi observado por aqueles profissionais que gabaram esse comportamento e soube-me bem ouvir. É sempre bom ouvir estas palavras de pessoas que vêm muitos casos destes por dia. A conversa durou uns bons minutos e foi muito agradável. Fiz questão de dizer à Dr.ª Lurdes o quanto gostava dela antes de ela ir embora, já depois da Matilde ter acordado. 

Subimos ao piso 7 e a Matilde ficou perto dos enfermeiros. Quis comer e comeu umas bolachas e ice tea, como tolerou e ficou bem disposta, pedimos Mc Donald's pela Uber Eats. Também comeu tudo. Não tinha dores, o que também era ótimo e estava tudo bem, fomos para o nosso quartinho, mas a Matilde não quis lá ficar muito tempo.

O nosso serão foi na sala de brincadeiras com o João, como foram os últimos a ir ao bloco eram os que tinham menos sono. Eu e a Mãe do João falamos durante um bom pedaço. As perguntas básicas: o que tem, como foi diagnosticado, qual é o tratamento, como te sentiste, onde foram diagnosticados e qual a médica que os segue. 

Percebi naquela noite que ali se partilham histórias, vivências, dores, sofrimentos, conquistas, alegrias. Naquele piso partilham-se vidas e os meninos que lá estão são de todos. Gostei muito desta primeira partilha e senti-me confortável para lá voltar no dia seguinte. No primeiro internamento não tinha saído do quarto uma única vez para essa sala. 

A Matilde e o João iam brincando na cozinha e com os bebes. Foi um pequeno serão agradável. 

Fomos dormir já era quase meia-noite. No dia seguinte tínhamos que acordar relativamente cedo para ir fazer um raio-x. Tinha que se perceber se o cateter estava bem colocado para depois ser utilizável para tratamentos. 

Foram os 4 meninos todos ao raio-x. Foi dado um miminho em forma de presente sem papel de embrulho, pela coragem de cada um. Os nosso filhos estão sempre a receber mimos e presentes no IPO, são muito mimados e muito acarinhados em todos os serviços por onde passam e isso é de louvar! Obrigada às pessoas que lá trabalham por serem assim. 

Com os raio-x todos OK, todos os meninos tiveram alta menos a Matilde, que iria iniciar o 2º ciclo da quimioterapia.

2 comentários:

  1. Querida Marta, Mãe com M gigante!

    Cruzamo-nos a primeira vez num corredor do IPO, os miúdos iam fazer ressonância magnética. Viste-me atrapalhada com a dificuldade em passar no leitor a pulseira que tem o numero do processo, deste-me a dica de pedir uma etiqueta para colar no telemóvel e tornar a leitura mais fácil. A etiqueta foi uma alta dica, ali continua ela, obrigada Marta.

    Umas quantas semanas volvidas e voltamos a encontrar-nos na sala de espera da consulta de anestesia que antecedia a colocação do CVC da Matilde e do João. Os miúdos estavam em jejum há horas, impacientes do tempo de espera e com fome… Lembro-me perfeitamente da birra a que te referes, lembro-me de admirar a tua firmeza com a Matilde.

    Enquanto esperava o João no recobro, estavam vocês à espera que a Matilde entrasse para o bloco. Eu estava muito nervosa e ia descomprimindo à medida que ouvia a doce Matilde com as suas perguntas e afirmações tão genuínas… “Mãe, o picanha vai por um CVC também?” “Mãe o Picanha também tem fome”….O seu Picanha… que pronta e generosamente emprestou ao João para que ele “não tivesse medo”…

    Vejam!! Convenceu a auxiliar de que o Picanha tinha que fazer raio-x para ter a certeza de que o CVC tinha ficado bem colocado, tal e qual como ela fez. E lá foi o picanha ao raio-x!!

    O internamento era uma novidade para nós e foi tão bom ter a vossa companhia. Perguntei-me vezes sem conta como iria passar a noite ali com ele sendo ele tão irrequieto. Disseram que ele deveria vir cansado do bloco mas ele parecia ligado a pilhas. A Matilde percebeu que o João estava entusiasmado com as batatas fritas que ela estava a comer e prontamente lhe ofereceu. Depressa começaram a virar a sala do avesso na brincadeira, enquanto nós íamos partilhando os casos deles e as suas perspetivas. A Matilde ao fim do dia, cansada, e com uma paciência gigante para o João que teimava desarrumar todas as suas brincadeiras. Foram os últimos a ir dormir, estavam tranquilos.

    A Matilde foi uma menina que me “marcou”, sempre pela positiva, pela sua generosidade, pela educação, pelo sorriso e pela forma tão genuína como é.

    É sempre bom rever-vos e uma alegria imensa quando recebemos boas noticias da pequena Matilde!

    Que continuem sempre assim, genuínos, generosos e verdadeiros!!

    Um grande beijinho nosso e obrigada pela partilha!!

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  2. Ai Martinha, parte-me o coração ao ler as tuas publicações. Mas as mesmo tempo, és um exemplo, és Grande Marta! Até nestas situações TU marcas as pessoas, tal como me marcaste. Força, Fé e muita Coragem. A "nossa" Matilde vai superar <3 <3 Bjos no teu coração.

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