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sábado, 11 de maio de 2019

Como tudo começou - Parte I

DAS DORES NA CINTURA AO NÃO ANDAR

Tudo começou algures em Setembro quando inscrevemos a Matilde na ginástica acrobática e as queixas de dores na cintura do lado esquerdo se iniciaram esporadicamente. Existiam semanas em que as dores eram agudas outras em que nem se queixava. 

Fomos relativizando as dores e as queixas durante alguns meses, dado que não eram constantes nem tão pouco traziam outros sintomas agregados (ranho, tosse, febre, hemorragias, etc).

Até que em Janeiro deste ano, num Sábado de manhã, estávamos a fazer panquecas para o pequeno almoço e a Matilde começou a dizer que estava a ficar mal disposta e que queria vomitar, quando olhei para ela estava branca, muito pálida mesmo e começou a fixar os olhos no vazio e a cair para trás.

Claro que caiu redonda no chão e ficou rija e com os olhos revirados. Caiu naquele chão frio da cozinha perante o nosso olhar incrédulo. Tanto eu como o Miguel levamos uns segundos a reagir e processar o que tinha acabado de acontecer. E o que se passou a seguir parecia saído de um filme.

Agarrei-a nos meus braços sempre a chamar o seu nome, ela não respondia. Gritei para o Miguel chamar uma ambulância, ele dizia coisas sem sentido e disse algo como "Eu levo-te de carro que eles demoram muito", voltei a gritar-lhe "Chama uma ambulância AGORA!".

Levei a Matilde para a sala e coloquei-a ao colo, começou a abrir os olhos. Olhou para mim e disse: "Mãe alguma coisa muito estranha se passou com a minha cabeça...".

Falei entretanto com a linha de emergência e disse-lhes que a minha filha de 4 anos tinha perdido a consciência, embora já a tivesse recuperado. Enviaram ajuda de imediato.

Chegámos ao HFXV e fomos prontamente chamadas. À primeira vista tratava-se apenas de uma lipotimia (termo médico para a perda de consciência). A médica pediu análises ao sangue e ficámos a aguardar os resultados. Chegaram entretanto a avó Fátima e o avô João. Enquanto a Matilde brincava com eles na sala de espera, começou outra vez a perder a cor e dizer que estava mal disposta. Levei-a novamente em braços para sala dos médicos e a médica ao vê-la, mandou-nos aguardar numa espécie de sala de observações e pediu outras análises mais específicas, nomeadamente aos parasitas, dado que temos um cão e podia ser a origem das dores de barriga (nunca do desmaio). 

Passado algumas horas, as análises não revelaram nada de extraordinário, disse a médica e eu acreditei. Soube depois que aquelas análises já revelavam alguns índices deste tipo de tumor.

Nesse dia, sem mais nada a acontecer e com tudo 'normal', viemos para casa e fomos cantar os parabéns ao primo Vicente que fazia 3 anos.

Tudo normalizou, não existiram outros episódios desta síncope e nessa altura eu acreditei que se tinha tratado apenas de um caso isolado. O meu coração dizia-me que mais se passava, mas eu não o quis ouvir também, burra!!!

Chegámos ao fim de Fevereiro e as dores de barriga voltaram em força. No princípio de Março já tínhamos ido à urgência 2 vezes tal era a aflição da Matilde durante as crises e apenas nos diziam que o diagnóstico eram cólicas! A Matilde tinha muitas cólicas, e isso originava aquelas dores infernais e angustiantes que ela tinha.

De fazer menção que a Matilde no pico da dor, rebolava na cama, batia na barriga, gritava (sim, ela não chorava, simplesmente berrava!), dobrava-se toda em posição fetal, metia os joelhos debaixo da barriga, ela simplesmente não parava. E eu e o Miguel ficávamos os dois a olha-la sem saber muito bem o que fazer, sem saber como aliviar aquela dor e principalmente, sem saber o que se passava.

Tão forte como vinha, lá dava tréguas e o dia amanhecia com cada vez mais noite mal dormidas e o dia passava e nós, Pais, carregávamos a angústia de não saber como resolver este problema.

Pensámos em apêndice, em qualquer outro problema gastro-intestinal. 

Combinei com o Miguel que ele me viria buscar nesse dia ao trabalho e iríamos à CUF Descobertas. Dia 11 de Março e lá estávamos nós no Atendimento Permanente da CUF pensando (erradamente mais uma vez!) que seria um hospital privado e que nos iriam fazer a eco que tanto desejávamos. A Matilde deu entrada naquele hospital com febre, 38,8º, salvo erro. 

Saímos de lá 30m depois de termos entrado, apenas com uma receita de Brufen para a febre. Diagnóstico: Cólicas. Nada agudo! Não tem critério para mais exames. Depois de me pedirem €40 por este atendimento de merda, em que só lhe apalparam a barriga, explodi. Dirigi-me à recepção central daquele hospital, tirei uma senha, sentei-me na cadeira de atendimento para o qual me tinham chamado e mal abri a boca para falar, as lágrimas soltaram-me! Pedi ajuda aquela administrativa, que foi TOP. Precisávamos de uma consulta de especialidade! Se não estávamos a conseguir através da via normal, alguém nos tinha que ver. Pedi encarecidamente que ela me tentasse uma consulta no imediato para uma Gastroentrologista Pediátrica. Ela olhou para mim, para a minha filha e percebeu que o assunto deveria de ser sério. 
Engraçado como uma administrativa tem esse tacto, já os profissionais de saúde... Acho que nem olham para os doentes/utentes com olhos de ver, são só mais uns...
Pegou no telefone, falou com quem tinha que falar e disse-me que para aquele dia já não existia mesmo hipótese, mas que teríamos consulta de especialidade no dia seguinte na parte da manhã. Agradeci muito a disponibilidade e a ajuda. Deveriam ter todos esta capacidade de arranjar soluções e não colocar entraves! Um bem haja a esta administrativa que não sei o nome, mas que merece ser louvada!

Terça-Feira, 12 de Março e lá estávamos nós no gabinete da Gastro-Pediatra. A Matilde tinha vomitado de manhã e ao chegar ao hospital também tinha vomitado. Explicámos tudo o que se passava e depois de observar a Matilde e mais uma vez palpar a barriga disse-nos que não havia nada fora do vulgar. Dado que os sintomas se mantinham, provavelmente a Matilde seria intolerante à lactose. Mais análises! Passou-nos análises ao sangue e às alergias alimentares (leite, ovo, bacalhau, etc), uma eco abdominal e ainda uma prova respiratória para detetar a lactose por expiração (acho que se explica assim). A Matilde nunca a realizou.

As noites continuavam a ser complicadas e cheias de dores para a Matilde e desesperantes para nós. Lembro-me que nessa semana ainda fomos à urgência de VFX mais uma vez. Quem a viu foi a médica que a recebeu quando tinha desmaiado e informamos do nosso percurso até aquela data, viu o resultado das análises que havia prescrito em Janeiro e que não tinham ficado logo prontas. Acusou positivo para parasitas nas análises de Janeiro. Mandou a Matilde fazer um raio-x e depois de vê-lo disse que a Matilde apenas tinha muito ar e muito cocó, mais uma vez: Microlax e Movicol. Iria ajudar. Deu-me o raio-x e as análises para levar novamente a Gastro quando lá fosse. Mais uma vez pedi para fazerem eco e a resposta foi a mesma: não tem critérios. Não podemos pedir transporte para a Estefânia para fazer eco se não tem nada que justifique. Passou uma receita de Flagyl (antibiótico por causa dos parasitas mas mais indicado para a giárdia, a Matilde nunca o conseguiu tomar. Eram comprimidos enormes e com um sabor que me agoniava a mim, quanto mais a ela). Pela 4ª vez saía de um serviço de urgência sem respostas! A revolta começava a crescer! A Matilde continuava com dores!

Sábado, 16 de Março. Realizamos as análises num laboratório ao pé da nossa casa. Ficariam prontas na semana seguinte!  

No dia 17 de Março recorremos novamente à urgência, Hospital Dona Estefânia. Pensámos que como seria um hospital só de crianças e mesmo tendo os parasitas positivos nas análises as crises de dor seriam valorizadas e fariam pelo menos uma ecografia abdominal para ver o que se passava lá dentro da barriga. Nada disso! Estivemos cerca de 30m a discutir com a médica que estava a ver a Matilde a dizer-lhe que aquela não era a nossa filha, que estava prostrada, com dores, que os parasitas não podiam ser causa de tudo aquilo. E saímos de lá conforme tínhamos entrado: sem respostas e com os mesmos sintomas. A causa? Apenas os parasitas que a Matilde tinha positivo e cólicas, para as quais nos receitaram umas bisnagas de Microlax, em SOS e o Zentel para os parasitas, uma vez que a Matilde não tinha conseguido tomar o Flagyl.

Compramos o Zentel, demorámos 2h a convencê-la a tomar aquele frasco mínimo. Tomámos todos! Ficámos todos desparasitados, até o Picanha.

Entre a 1ª toma do Zentel e a 2ª a Matilde ficou com bastantes dores no pescoço, como se fosse um torcicolo feito. Não mexia o pescoço e dizia que lhe doía muito a virar-se na cama e nas suas actividades diárias. Mais uma vez, julguei ser uma contratura devido ao tempo que ela passou deitada no sofá com dores de barriga. Estava tão enganada!!


No dia da 2ª toma (8 dias depois), as dores de barriga, que pensávamos já terem sido ultrapassadas, voltaram e julgo eu, ainda com mais força! Essa noite foi horrível e aquela segunda feira, 25 de Março, foi muito dolorosa para a Matilde que só aguentou a escola até as 12h.

Liguei para o laboratório na terça feira e tentei saber se as análises já estavam prontas para que as pudéssemos ver e saber se existia alguma alteração. Enviaram-me logo os resultados que estavam disponíveis e percebi que existiam valores com grandes alterações, mas não sabia do que se tratavam. Socorri-me das médicas que existem na nossa família e das médicas amigas. Enviei os resultados por whatsapp às primas e à Dr.ª Isabel que me sossegaram dizendo que as alterações eram compatíveis com os parasitas e as alterações que os mesmos provocam. Que ficasse descansa. Tinha alterações grandes a nível da hemoglobina, ferritina, LDH e mais pequenas em tantos outros campos.

O meu coração continuava a dizer-me que alguma coisa não estava bem e eu mais uma vez não o quis ouvir. 

A semana passou e só um dia ou outro a Matilde aguentou a escola até ao fim. Tinha bastantes dores de barriga à hora do almoço e a avó trazia-a para casa. Começou a ficar cada vez mais pálida e com menos força. Dizia estar sempre cansada, sempre sem energia. Já para não falar das noites que eram sempre horríveis, com ela sempre aos gritos de dor que apenas aliviavam com o saco de água quente. O apetite também tinha desaparecido e ela tinha perdido peso de forma bastante visível. 

Quem conhece a Matilde sabe, ela é desde sempre uma menina cheia de vida e cheia de energia. Adora a escola e pede para lanchar todos os dias no ATL, já depois da hora de vr embora. Adora as aulas de ginástica e o Prof. André, tem uma paixão assolapada pela sua Prof. Ana Banana. Por isso o facto de não querer ir à escola, era preocupante, no mínimo. Quanto mais o facto de não querer brincar! Os indicadores estavam todos lá... 

O fim de semana veio e o estado da Matilde agravou-se. Passou o Sábado deitada no sofá a dormir e a ver TV, sem comer nada de significativo e com dores consistentes.

No Domingo, com o intuito de a tirar de casa um pouco e como precisei de ir ao Jumbo, levei-a comigo. Tinha-a ao colo e no corredor dos iogurtes pousei-a no chão para escolher alguns para comprar. Deu meia dúzia de passos e olhou para mim pálida como naquele dia que tinha desmaiado e diz-me:

"Mãe, podes chamar o Pai para me vir buscar?"
"Porquê filha? Estás mal disposta? Queres vomitar?" - perguntei-lhe eu, já a visualizar o que era ela vomitar ali
"Mãe estou tão cansada, já não consigo andar mais, as minhas pernas não aguentam..."

Imediatamente lhe peguei ao colo, deixei os iogurtes na prateleira e fui para casa. Ao chegar a casa contei ao Miguel o que se tinha passado e ficamos ambos no silêncio da incerteza. Ingenuamente ainda pensei que tivesse alguma patologia do coração, dado que toda a família do Miguel sofre do coração e sei que isso dá aqueles sintomas de cansaço extremo que ela mostrou naquele dia.

Na Segunda-Feira foi à escola e a minha sogra disse-me que a Matilde estava muito cansada e veio para casa à hora de almoço. Dormiu a tarde toda e depois à noite não tinha sono. 

Cansada deste padrão, dado que sempre me mantive a trabalhar, na Terça-Feira mandei sms à Prof. dela a dizer que não autorizava a saída da escola da Matilde a menos que vomitasse ou tivesse febre. Fui dura, fui má (hoje sei que sim) principalmente com o coração da minha sogra e avó da Matilde que estava a assistir aquilo tudo em primeira fila, mas queria despistar se além do que eu via também existia alguma ronha, alguma matreirice. Recebi resposta da Prof. a dizer que queria falar comigo e com o Pai Miguel nesse mesmo dia. Recebia-nos de forma informal no café, mas o assunto da conversa era urgente e preocupante. 

Claro que voei para Alverca e reuni com ela assim que cheguei. E foi aí que fiquei a par da gravidade da situação. Foi-nos informado por parte da Prof. o seguinte:

 - A Matilde não brincava com os amigos na sala, optando por ficar sentada na cadeira ou a maior parte das vezes ia deitar-se na cama da casinha das bonecas
 - A Matilde já não conseguia concluir um trabalho de pintura a lápis de uma figura sem ter que o interromper várias vezes para descansar ou mesmo ir deitar-se na cama da casinha, porque estava muito cansada
 - Não comia praticamente nada, sendo que era das crianças que mais comia 

Estes 3 pontos principais levaram-nos, eu e o Pai Miguel, a decidir que naquele dia iríamos à urgência da Estefânia e não iríamos sair de lá sem uma resposta, fosse a que preço fosse. Alguém tinha que olhar por ela, alguém tinha que nos ouvir! Estávamos a beira do desespero e a nossa filha em condições cada vez piores: mais fraca, cada vez mais branca, sem energia, sem apetite. 

A Ana Banana, foi sem dúvida o ponto chave desta situação e quem nos fez ouvir o que os nossos corações há muito gritavam. Foi a pessoa que mudou o rumo das coisas, quem Deus se encarregou de colocar no nosso percurso para que nós fossemos orientados. Ser-lhe-ei eternamente grata e tenho para com ela uma enorme dívida de gratidão pelo apoio, carinho e afecto, bem como disponibilidade que mostrou sempre, mas principalmente ao longo deste período. Gosta da Matilde como se fosse dela e sei que a Matilde também a adora de coração. São unha e carne. Para a vida!

Agarrei na Matilde, meti-a no carro e fomos todos em direcção à Estefânia. Levámos o Duarte também. 

Entrei na urgência da Estefânia dia 02 de Abril perto das 19h00 e mal sabia que a minha vida estava a uns dias de mudar radicalmente!

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