A QUEDA DO CABELO
Fomos para mais uma sessão expectantes e confiantes que iria correr bem. Era o último de 3 fármacos diferentes que são utilizados no protocolo e que alternam entre si.
Vincristina
Fomos para mais uma sessão expectantes e confiantes que iria correr bem. Era o último de 3 fármacos diferentes que são utilizados no protocolo e que alternam entre si.
Vincristina
Ciclofosfamida
Este último fármaco necessita de uma pré medicação para proteger os rins, dado que é altamente corrosivo.
Quando iniciamos este ciclo a Matilde já ia a perder bastante cabelo, caia em mechas e apesar de ainda ter muito na cabeça, era incrível a quantidade de cabelo que ela tinha nas costas, roupa e na cama.
Fui preparando terreno para o inevitável, algo que ela já sabia que ia acontecer, mas que agora tinha chegado a hora. Rapar o cabelo.
Durante o internamento a quantidade de cabelo que perdia era tanta, que tiveram que lhe dar uma touca, daquelas que se usa nos blocos operatórios. Ainda ponderamos rapar o cabelo no IPO, mas o Pai fazia questão que fosse em casa.
Em relação aos fármacos em si, este ciclo é o menos agressivo, mas 'ataca' com toda a força os valores analíticos: plaquetas, hemoglobina e os glóbulos brancos vêm todos por aí abaixo. Começou também neste internamento a perder o apetite que tinha.
Este internamento foi o ponto de viragem neste processo, onde se começou a tornar real o processo que estávamos a passar. A queda do cabelo, os valores analíticos, a perda do apetite, a diminuição da predisposição para brincar; factores que chegaram em catadupa.
No último dia do internamento, a quantidade de cabelos que caía era surreal, e quando a Matilde estava a comer um gelado apanhou um cabelo e entrou-lhe na boca. Agoniou-se e veio tudo para fora. Ficou claro que teríamos de tratar do assunto com urgência.
Combinamos as duas naquele dia, que quando chegássemos a casa e dado que o cabelo iria ser rapado, o íamos pintar de vermelho antes de o tirar.
E assim foi: antes de irmos para casa passámos no Continente, comprámos a tinta vermelha (das que sai com a lavagem, aquela era da L'Oreal) e fomos para casa 'brincar'.
Sentámos a Matilde na cadeira na cozinha e pintei-lhe o cabelo com as mãos, com muitos cabelos a cair e com um grande sorriso as duas. Ficou radiante quando viu o resultado final! Ficou meio vermelho, meio rosa; lindo de morrer!!
Quando já estava todo pintadinho, disse-lhe: "Vai brincar amor, aproveita esse cabelo lindão que à noite tiramos o cabelo", ao que ela me respondeu: "Não Mãe, tira já!".
Mais uma vez surpreendeu-me a rapidez e a maturidade da decisão. Ela já me andava a pedir para rapar o cabelo há alguns dias, pelo que queria despachar logo aquilo para depois se poder dedicar às bonecas, filhos e netos, papinhas e fraldas que a esperavam no quarto.
Sentámo-la novamente na cadeira e com a tesoura, o Pai foi o primeiro a cortar uma mecha, a seguir foi o Duarte, eu e por fim ela. Todos demos uma tesourada no seu cabelo. Depois o pai continuou o seu trabalho, enquanto o mano saltitava na cozinha e eu ia falando com ela. O cabelo amontoava-se no chão, conversávamos e riamos, dizíamos parvoíces e o ambiente estava leve e animado. Aquela cozinha emanava amor por todo o lado. De vez em vez o olhar do Miguel procurava o meu e vice versa, para analisar o interior do outro. Ganhámos este hábito. Quando a situação aperta, é nos olhos que nos olhamos, tentando perceber o que se está a passar lá dentro. Não precisamos falar, o olhar chega.
Antes deste dia chegar, a queda do cabelo era uma coisa que me assustava bastante, achava eu que, quando chegasse o dia, eu iria chorar baba e ranho. Dizia a toda a gente que era a parte que mais me custava, ver a minha filha careca, porque querendo ou não o 'selo' do cancro torna-se visível a todos. Estava tão errada! Foi num ambiente de amor, alegria e muita paz que tudo isto aconteceu. E mais uma vez senti-me grata. Grata pela filha que tenho, grata pela família que construí, grata por tudo aquilo que o universo me dá todos os dias, porque mesmo a nossa família tendo um cancro, temos muito mais amor.
A partir desse dia a nossa Matilde passou a ser o nosso Ruquinha. Foi ideia dela e o mano chama-lhe isso com um carinho que enternece o coração só de ouvir!
Temos um Ruca em casa, só para nós! Que privilégio!
Este último fármaco necessita de uma pré medicação para proteger os rins, dado que é altamente corrosivo.
Quando iniciamos este ciclo a Matilde já ia a perder bastante cabelo, caia em mechas e apesar de ainda ter muito na cabeça, era incrível a quantidade de cabelo que ela tinha nas costas, roupa e na cama.
Fui preparando terreno para o inevitável, algo que ela já sabia que ia acontecer, mas que agora tinha chegado a hora. Rapar o cabelo.
Durante o internamento a quantidade de cabelo que perdia era tanta, que tiveram que lhe dar uma touca, daquelas que se usa nos blocos operatórios. Ainda ponderamos rapar o cabelo no IPO, mas o Pai fazia questão que fosse em casa.
Em relação aos fármacos em si, este ciclo é o menos agressivo, mas 'ataca' com toda a força os valores analíticos: plaquetas, hemoglobina e os glóbulos brancos vêm todos por aí abaixo. Começou também neste internamento a perder o apetite que tinha.
Este internamento foi o ponto de viragem neste processo, onde se começou a tornar real o processo que estávamos a passar. A queda do cabelo, os valores analíticos, a perda do apetite, a diminuição da predisposição para brincar; factores que chegaram em catadupa.
No último dia do internamento, a quantidade de cabelos que caía era surreal, e quando a Matilde estava a comer um gelado apanhou um cabelo e entrou-lhe na boca. Agoniou-se e veio tudo para fora. Ficou claro que teríamos de tratar do assunto com urgência.
Combinamos as duas naquele dia, que quando chegássemos a casa e dado que o cabelo iria ser rapado, o íamos pintar de vermelho antes de o tirar.
E assim foi: antes de irmos para casa passámos no Continente, comprámos a tinta vermelha (das que sai com a lavagem, aquela era da L'Oreal) e fomos para casa 'brincar'.
Sentámos a Matilde na cadeira na cozinha e pintei-lhe o cabelo com as mãos, com muitos cabelos a cair e com um grande sorriso as duas. Ficou radiante quando viu o resultado final! Ficou meio vermelho, meio rosa; lindo de morrer!!
Quando já estava todo pintadinho, disse-lhe: "Vai brincar amor, aproveita esse cabelo lindão que à noite tiramos o cabelo", ao que ela me respondeu: "Não Mãe, tira já!".
Mais uma vez surpreendeu-me a rapidez e a maturidade da decisão. Ela já me andava a pedir para rapar o cabelo há alguns dias, pelo que queria despachar logo aquilo para depois se poder dedicar às bonecas, filhos e netos, papinhas e fraldas que a esperavam no quarto.
Sentámo-la novamente na cadeira e com a tesoura, o Pai foi o primeiro a cortar uma mecha, a seguir foi o Duarte, eu e por fim ela. Todos demos uma tesourada no seu cabelo. Depois o pai continuou o seu trabalho, enquanto o mano saltitava na cozinha e eu ia falando com ela. O cabelo amontoava-se no chão, conversávamos e riamos, dizíamos parvoíces e o ambiente estava leve e animado. Aquela cozinha emanava amor por todo o lado. De vez em vez o olhar do Miguel procurava o meu e vice versa, para analisar o interior do outro. Ganhámos este hábito. Quando a situação aperta, é nos olhos que nos olhamos, tentando perceber o que se está a passar lá dentro. Não precisamos falar, o olhar chega.
Antes deste dia chegar, a queda do cabelo era uma coisa que me assustava bastante, achava eu que, quando chegasse o dia, eu iria chorar baba e ranho. Dizia a toda a gente que era a parte que mais me custava, ver a minha filha careca, porque querendo ou não o 'selo' do cancro torna-se visível a todos. Estava tão errada! Foi num ambiente de amor, alegria e muita paz que tudo isto aconteceu. E mais uma vez senti-me grata. Grata pela filha que tenho, grata pela família que construí, grata por tudo aquilo que o universo me dá todos os dias, porque mesmo a nossa família tendo um cancro, temos muito mais amor.
A partir desse dia a nossa Matilde passou a ser o nosso Ruquinha. Foi ideia dela e o mano chama-lhe isso com um carinho que enternece o coração só de ouvir!
Temos um Ruca em casa, só para nós! Que privilégio!
A comer o gelado antes de vomitar |
O resultado final do cabelo pintado |
Yeahhhh, carequinha! Com o meu mano! |