Translate

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Quimioterapia - A indecisão

COMEÇAMOS OU NÃO?


Hoje acordámos reticentes quanto à quimioterapia que inicia daqui a um par de horas. Parece que não faz sentido, que não é o caminho que queremos. Não estamos firmes nem seguros deste tão importante passo.

Eu e o Miguel falámos bastante de manhã e decidimos pedir uma segunda opinião. Contactamos o seguro da Matilde para activar a cobertura da 2ª opinião médica no estrangeiro e ficámos a aguardar noticias. Contámos mais uma vez com a boa vontade e ajuda da Ana Santos, que pediu ajuda para que a resposta fosse célere. 

De louvar a disponibilidade e inter-ajuda que mostraram no meu trabalho, desde colegas a chefes, para que a situação da Matilde fosse prontamente respondida e tratada. Não sei se um dia vou conseguir retribuir a cada um deles o empenho que nos dedicaram. Muita gratidão que sinto por eles também. Deus é grande!

Fomos ao IPO de seguida para falarmos com a Dr.ª Gabriela e explicar-lhe que não iríamos começar o tratamento, a menos que a opinião dela fosse diferente, dado que estávamos a aguardar uma segunda opinião.

Fomos recebidos por uma médica no piso 7, que não percebeu muito bem a nossa situação e em vez de nos colocar à vontade com as decisões difíceis, pressionou-nos até à medula. Desde nos dizer que as opiniões não seriam muito divergentes nos EUA como a seguir dizer que os Pais muitas das vezes querem lá ir e não podem, a dizer-nos que a quimioterapia da Matilde já estava pronta e que isso custa dinheiro, que não devíamos esperar porque o importante é ela começar os tratamentos, que a Matilde iria sofrer todos os dias com dores, que não seria justo para ela a deixarmos a sofrer, etc. Disse-nos tantas coisas para nos levar a iniciar o tratamento de forma pressionada, que quanto mais ela falava, menos vontade tínhamos. Até que pedimos os exames e relatórios todos da Matilde e a resposta foi "Agora não tenho tempo, talvez para a semana...". 

Ora bem, então se era urgente iniciar os tratamentos e se o inicio dos mesmos estava pendente da 2ª opinião, os exames não nos deveriam ser disponibilizados com a maior brevidade para que o tratamento não atrasasse ainda mais? Já para não falar que é um direito nosso.

Pedimos então tempo para falar, mas a médica não percebeu.

"Estamos aqui, vamos falar todos"
"A SÓS!!!" - disse-lhe eu.
"Então a que horas pensam dar-me a resposta" - insiste ela.
Eu e o Miguel olhamos um para o outro perdidos, chocados, assoberbados.
"Daqui a 15/20m, talvez" - digo-lhe eu
"Daqui a 15m não posso que vou almoçar, as 14h! Passo por cá para saber!"

A médica saiu da sala e a primeira coisa que disse ao Miguel foi "Não confio nela Miguel".
Falámos os prós e os contras, analisamos tudo, liguei ao meu Pai para pedir orientação, à prima Pipas e descobrimos que não era consensual.

O Pai dizia para eu fazer o que o meu coração mandava, que não havia ninguém neste mundo que amasse tanto a nossa filha como nós Pais e que lhe quisesse melhor futuro. Para desbravar as opiniões e outras formas de tratar a doença e depois tomar a melhor decisão.
A prima Pipas era da opinião que deveríamos começar imediatamente o tratamento para que os riscos de sucesso fossem os maiores possíveis e para que a doença não alastrasse ainda mais.

E nós, Pais, o que sentíamos em relação a isto? Que decisão tomar? O Miguel dizia que eu decidia e eu não queria decidir sozinha. Mas sentia que o caminho era perceber se no outro lado do oceano tinham mais para oferecer. A minha procura era um tratamento que fosse diferente do que me tinha sido proposto para analisar os resultados e taxa de sobrevida. Idealmente queríamos um tratamento que fosse mais direccionado às células más e não atacasse tanto as boas como a quimioterapia. 

Tínhamos 1 hora e pouco até a médica regressar. 

Falámos com a Enfermeira e pedimos o favor de nos chamar a Dr.ª Gabriela, não iríamos tomar nenhuma decisão sem ela.

Aguardamos que fosse hora de a médica nos procurar, mas surpresa, a Dr.ª Gabriela vinha com ela. Que bom! O meu coração encheu-se de alegria e confiança.

A Dr.ª Gabriela como é habitual cumprimentou a Matilde e deu dois beijinhos. Perguntou como tínhamos andado e como estavam as coisas. Explicamos tudo à Dr.ª Gabriela, tim tim por tim tim.

A Dr.ª Gabriela é um EXCELENTE ser humano que é, feita daquela fibra que pouco se encontra, colocou-nos logo à vontade e explicou-nos que o cancro da Matilde não ia ficar ainda pior por esperarmos 1 semana, que o principal problema seriam as dores que a Matilde poderia ter. Mas que quanto a isso já tínhamos medicação connosco (Nolotil e Morfina) e que a deveríamos utilizar, se víssemos que a dor se mantinha, deveríamos ligar para o IPO ou dirigirmos-nos lá. 

"Agora podem ir embora, e na sexta feira (era quarta) esperamos noticias da vossa decisão (se avançamos com o tratamento ou esperamos pela segunda opinião). A minha colega via dar-vos todos os exames que a Matilde fez aqui no IPO e as análises para que possam dispensar ao seguro" - a outra médica de sorriso forçado e amarelo disse que sim, sem problema ('Ca nervos!!)

Foi neste dia também que pedi ajuda à Dr.ª Gabriela para explicar à Matilde a sua doença.

"Dr.ª Gabriela, quero muito explicar à Matilde o que tem, mas não sei que palavras devo usar. Quero que ela perceba a sua condição, para a aceitar, mas não sei se posso usar as palavras que sei" - disse eu
"Mãe, fale com calma, explique que tem um dói dói..."
"Recuso-me a utilizar a palavra dói dói, não é isso que ela tem. Dói dói é quando caímos e esfolamos o joelho, isto é maior" - interrompi logo eu
A Dr.ª Gabriela sorriu
"Diga-lhe então que tem uma massa, um tumor" - propôs
Concordei, iria ter esta conversa no carro assim que saísse daqui.

Recolhemos os exames todos, CD's, relatórios e análises e fomos embora de consciência tranquila, sem medos, com muita expectativa das respostas que nos iriam chegar. Sabíamos que não estávamos a fazer mal à Matilde e que estávamos à procura de outras respostas, de outras perspectivas. Queríamos saber que mais havia pelo mundo fora. 

A Matilde ainda não tinha feito quaisquer tratamentos, ainda podia viajar, ainda podia fazer parte de qualquer ensaio clinico. Assim que começasse a quimioterapia, ficaria condicionada e era o que queríamos evitar se tivéssemos que partir para o outro lado do oceano. 

No fundo estávamos a assegurar que ninguém lhe tocava até termos explorado tudo.

Recebemos nessa tarde uma telefonema da seguradora da Matilde, o Dr. Daniel a recolher a história da Matilde. Contei-lhe tudo e disse-me que iria passar a pasta a uma médica da confiança dele e que era excelente (e não é que era mesmo?), a Dr.ª Joana. 

A Dr.ª Joana ligou-me nessa tarde e fiquei de lhe enviar os relatórios nesse dia e as imagens no dia seguinte. Foi um amor e criamos empatia logo de inicio. Senti que ficou bastante sensibilizada com a nossa situação e predispôs-se a ajudar sempre o máximo que conseguira. 

Mais uma boa pessoa que tinha sido colocada na nossa vida. Deus continua a ser grande!

Foi mais um dia que pequeno-almoço nem vê-lo e só jantei nesse dia. Estava de rastos! Com uma dor de cabeça interminável, com um humor de cão. Mas feliz por termos conseguido e por Deus ter permitido termos mais uns dias.

Tivemos que ir comprar um telefone novo, o meu tinha caído na sanita, dormiu no arroz, mas nada o ressuscitou. foram € 320 para o lixo num mês e meio... 

Mas tem que acontecer tudo ao mesmo tempo??? 

Sem comentários:

Enviar um comentário