Translate

quinta-feira, 11 de abril de 2019

O mundo desconhecido do IPO

IPO - D1


Tínhamos consulta marcada com a Dr.ª Gabriela Caldas entre as 09:30/10:00.

A Matilde tinha que estar em jejum porque ia fazer exames nessa tarde. 
Medulograma e biopsia óssea, para percebermos se o cancro já estava metastizado para os ossos e medula.

Depois de uma noite difícil, em que muito do tempo foi usado em pesquisas no Dr. Google sobre o significado de Neuroblastoma, tratamentos e tempos de vida, acordamos cedo e preparámos-nos. O Pai Miguel ia-nos levar ao IPO e tomámos a decisão que o Duarte nos iria acompanhar. 

Lembro-me de estar tão nervosa e tão ansiosa que pensei que ia vomitar pelo caminho várias vezes. 

Aproveitei a viagem para ligar à Tia Maria João que ainda não sabia - tinha sido poupada pelos anos da filha no dia 10/04 - e demos-lhe a pior noticia de sempre. Foi terrível e dado que tinha os níveis de ansiedade e nervos muito altos foi por milagre que consegui controlar as lágrimas.

Nesse momento, percebi que facilmente os mais pequenos nos entendem tão bem e que é com facilidade que lhes passamos as coisas. Assim que desliguei o telefone, a Matilde disse-me lá de trás:
"Mãe, estou tão enjoada" 
"Mas queres vomitar?"
"Não Mãe, é só uma coisa aqui na minha barriga que me faz ficar enjoada"
Silêncio

Chegamos ao IPO e entrámos pela porta que tinha usado anos antes para ir visitar um filho de uma amiga de infância a UTM. Procurámos o Hospital de Dia Pediátrico e por engano ou ansiedade de chegar e resolver as coisas, vimos mal a placa e paramos ao pé da porta do Hospital de Dia, mas dos adultos.

Não sabíamos o que ia ser o futuro e se a Matilde ficaria já internada para tratamento.

Até ao momento o meu Miguel tinha sido forte, não demonstrou a tristeza e medo que sentia, até aquela manhã.
Assim que saiu do carro para dar um beijo à Matilde e lhe entregar a sua medalha da sorte, desfez-se em lágrimas como nunca tinha visto, completamente desfeito e desintegrado. O Miguel era tantos pedaços naquele momento que eu lhe ofereci o meu ombro por momentos. E abraçamos-nos com força, muita! 

Lá demos com o sitio certo, onde já estava a minha Mãe à espera de nós. Entrou na sala pouco depois de nós lá estarmos. Era a primeira vez que nos víamos depois de lhe ter partido o coração. Abraçou-me mas não deixei que fosse por muito tempo, queria ter força, não ficar sem ela.

Fizemos jogos e pinturas com a Matilde, sem nunca olhar muito nos olhos da minha Mãe, não conseguia.

A Dr.ª Gabriela apareceu e chamou-nos para a consulta. A Matilde não quis entrar, pelo que fui só eu que entrei no gabinete.

Apresentações feitas, sabíamos o que nos levava ali e já tinha muitas questões a fazer.
 - É urgente tratar?
 - Em que consistia o tratamento?
 - Qual o estadio da doença?
 - Valia a pena o tratamento?
 - Prós e contras do tratamento?
 - O que nos espera agora no imediato?

Os pensamentos tinham sido afinados na noite anterior em conversa com o Miguel enquanto o jantar se fazia. Sem conseguirmos muito bem enfrentarmos-nos e sabendo que conversas difíceis viriam ai e que iríamos ter que abordar a morte, o desgosto, o sofrimento.

Falei com a médica como sou: aberta e honesta, sem medo de represálias, sem medo do julgamento e a Dr.ª Gabriela acabou a consulta com os olhos humedecidos e com um grande elogio, dizendo que já fazia aquela consulta à muito tempo e que não tinha visto muitas Mães assim.
"Assim como?" - perguntei eu
"Tão fortes como está a ser. Não tenha dúvidas que está a ser muito forte mesmo!"
As lágrimas começaram a formar-se nos meus olhos
"Não se deixe iludir, eu estou destroçada, mas faço que o tem que ser feito" - com um soluço a ameaçar sair.
Acabámos a consulta assim.

Peguei na Matilde e fomos colocar o catéter e fazer análises. Voltámos para a sala de espera para aguardar a consulta de Anestesia com a Dr.ª Lurdes.

Combinei com a minha Mãe que assim que a Matilde fosse admitida poderia ir embora, dado que depois ficaríamos numa outra sala à espera de entrar na sala de exames para a Matilde ser sedada e realizar o exame. De certa forma, não me apetecia partilhar aquele dia com ninguém que não fosse o Miguel. Queria estar completamente disponível para ela, para a poder compreender e apoiar, estar atenta. Queria principalmente resguarda-la da ansiedade que as outras pessoas pudessem sentir ao pé dela. Estava em modo Mãe-Leoa.
Não me apetecia partilhar nada com ninguém, queria muito estar com a Matilde a sós. Ontem precisava de colo, hoje de espaço. Estranho isto dos sentimentos.

Quando chegou a hora do exame, a Matilde já sabia ao que ia. Iam por uns pózinhos mágicos na sua torneirinha (como ela chama amorosamente ao seu catéter) e ela iria dormir enquanto faziam o exame, assim que acordasse a Mãe estaria ao seu lado. Não iria sair dali, estaria sempre com ela.

Levei-a ao mini-bloco que existe no Hospital de Dia para este tipo de exames e levava-a ao colo. Deitei-a na marquesa e todos os que lá estavam começaram a desempenhar as suas tarefas. A Matilde que estava a dormir, acordou e começou a absorver aquele ambiente que ela gosta porque vê as séries comigo à noite e quer ser médica.
"Vais ficar tonta, mas é normal Matilde" - avisou a Dr.ª Lurdes
"Ai que estou a ficar tontinha..." - dizia ela por entre risos
Os meus olhos não largavam os dela e a de mãos dadas, a minha vontade era tê-la nos braços.
E de repente, a cabeça tombou e os olhos reviraram, a mão ficou sem força e pediram que lhe desse um beijinho. Colocaram a máscara na boca e nariz dela. 
O meu coração não estava preparado para aquilo e as lágrimas saíram numa velocidade que não consegui controlar.
"Está sozinha Mãe?" - perguntou a amável Dr.ª Lurdes
"Sim" - estava paralisada! - "Mas não se preocupe comigo, que estou bem, vou só apanhar ar e já fico bem, sou forte!" 
Desbloquei e sai da sala, directa para a rua, onde liguei ao Miguel em busca de força. Assim que ouvi a voz dele, controlei-me, afinal não era justo que ele longe, sem saber o que se estava a passar, me ouvisse descontrolada. 

Aproveitei para beber um ice tea, eram 14:15 e eu ainda estava em jejum e a minha cabeça começou a dar sinal de falta de alimento. Não tinha comido antes porque não conseguia comer nada, não conseguia sequer pensar em comida.

Voltei para dentro e passados uns 15m a minha princesa saiu da sala ainda adormecida. A Enf. Márcia ligou-a aos monitores e assim ficamos até ela despertar, o que também é muito estranho, abre os olhos fixamente e volta a fechar, abre novamente e volta a fechar. É assim até ficar consciente.

Recuperou depressa, quis comer, comeu e o Pai Miguel chegou mais o nosso Mano Duarte para nos vir buscar.

Vamos para casa com indicação que já fez medicação para as dores e que podermos repetir mais tarde.

O resto da noite foi passado em família a descansar. A recuperar dos exames e da anestesia. A tentar minimizar a dor que ela sentia pelo procedimento a que foi sujeita. Com muitas conversas curtas e abraços na cozinha entre eu e o Miguel.

Agora só teríamos que voltar ao IPO na próxima quarta feira - 17/04/2019 - para fazer uma biópsia guiada por TAC ao Neuroblastoma para definir a sua malignidade e genética. Tínhamos uns dias de descanso. Para assentar ideias e definir planos de ataque.



Antes de entrar na sala de exames

Após ter saído da sala, quando ainda estava anestesiada

Sem comentários:

Enviar um comentário