Translate

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Segunda Opinião Médica - EUA

O PROCESSO DA SEGUNDA OPINIÃO

O processo da segunda opinião iniciou logo no dia seguinte, 25 de Abril. 

Percebemos que o facto de adiarmos o tratamento em busca de outras respostas criou naqueles que nos amam sentimentos contraditórios e a preocupação com a Matilde fez com que não nos percebessem e fossem duros connosco. Mas tudo bem, é preciso tempo para que aceitem a nossa posição e compreendam o que queremos e mais importante: a saúde da Matilde não está em risco! Nunca esteve. 

A avó Eduarda chorou muito, a prima Patricia ficou enervada e disse que éramos doidos, a prima Pipas ficou com receio que este adiamento fosse pior e que as metásteses chegassem ao cérebro, muitos amigos ficaram igualmente divididos, queriam apoiar-nos mas sentiam que era um risco muito alto que estávamos a correr. 

Sendo completamente honesta: nem eu, nem o Miguel sabíamos se esta era a opção certa, mas sentíamos que era a melhor, a mais consciente, a que nos tranquilizava mais. Se não existisse nada de diferenciador, iríamos começar o tratamento sem qualquer problema.

Mas tudo começou a ficar mais calmo, quando começaram a perceber que a nossa médica estava informada e que não estávamos a fugir de nada, apenas à procura de outros tratamentos.

Enviei os documentos  e imagens para que a Dr.ª Joana os pudesse disponibilizar aos especialistas nos EUA. Seriam dois a avalia-la, um no Canadá e outro em Philadelphia. 

A Dr.ª Joana foi mais uma vez incansável hoje disse-me que a Matilde tinha sido aceite nos dois hospitais para avaliação. 

Ficámos radiantes!!

Faltava apenas esperar pelos relatórios oficiais para perceber em que consistia o tratamento proposto por eles. A expectativa era enorme! 

Fomos hoje também ao IPO comunicar à Dr.ª Gabriela que nos sentíamos mais confortáveis em aguardar as opiniões, dado que nos informaram que as tínhamos em 7 dias. A Dr.ª Gabriela, GRANDE como é, compreendeu e disse-nos que estava à distância de uma chamada ou sms, que se fosse necessário para nos dirigirmos ao IPO.

Aguardamos as respostas com muita calma e o estado da Matilde manteve-se estável.

A Dr.ª Joana foi de facto incansável, prolongou o seu trabalho muitas vezes noite dentro para que pudéssemos ter respostas o mais breve possível, fez pressão, enviava-nos sms do seu telefone particular a saber como estávamos. 

Entramos na vida profissional da Dr.ª Joana com muita urgência, com uma bomba relógio nas mãos. Nunca nos deixou na mão, nunca nos deixou sem resposta, teve sempre uma palavra amiga, um conforto, uma voz doce. Mesmo até entre consultas (que deverá fazer a título particular) a Dr.ª Joana nos atendia o telefone ou retornava as chamadas, sempre presente e disponível para nós. Roubando tempo da sua família, do seu descanso, da sua vida particular, em prol de uma família que não conhecia, de alguém que não conhecia de lado nenhum.

Se isto não é de louvar e agradecer muito? Deus é mesmo GRANDE e escreve direito por linhas tortas. Deu-nos das piores doenças, mas depois colocou-nos no caminho profissionais que já não existem, a quem muito temos que agradecer, a quem seremos eternamente gratos a vida toda!

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Quimioterapia - A indecisão

COMEÇAMOS OU NÃO?


Hoje acordámos reticentes quanto à quimioterapia que inicia daqui a um par de horas. Parece que não faz sentido, que não é o caminho que queremos. Não estamos firmes nem seguros deste tão importante passo.

Eu e o Miguel falámos bastante de manhã e decidimos pedir uma segunda opinião. Contactamos o seguro da Matilde para activar a cobertura da 2ª opinião médica no estrangeiro e ficámos a aguardar noticias. Contámos mais uma vez com a boa vontade e ajuda da Ana Santos, que pediu ajuda para que a resposta fosse célere. 

De louvar a disponibilidade e inter-ajuda que mostraram no meu trabalho, desde colegas a chefes, para que a situação da Matilde fosse prontamente respondida e tratada. Não sei se um dia vou conseguir retribuir a cada um deles o empenho que nos dedicaram. Muita gratidão que sinto por eles também. Deus é grande!

Fomos ao IPO de seguida para falarmos com a Dr.ª Gabriela e explicar-lhe que não iríamos começar o tratamento, a menos que a opinião dela fosse diferente, dado que estávamos a aguardar uma segunda opinião.

Fomos recebidos por uma médica no piso 7, que não percebeu muito bem a nossa situação e em vez de nos colocar à vontade com as decisões difíceis, pressionou-nos até à medula. Desde nos dizer que as opiniões não seriam muito divergentes nos EUA como a seguir dizer que os Pais muitas das vezes querem lá ir e não podem, a dizer-nos que a quimioterapia da Matilde já estava pronta e que isso custa dinheiro, que não devíamos esperar porque o importante é ela começar os tratamentos, que a Matilde iria sofrer todos os dias com dores, que não seria justo para ela a deixarmos a sofrer, etc. Disse-nos tantas coisas para nos levar a iniciar o tratamento de forma pressionada, que quanto mais ela falava, menos vontade tínhamos. Até que pedimos os exames e relatórios todos da Matilde e a resposta foi "Agora não tenho tempo, talvez para a semana...". 

Ora bem, então se era urgente iniciar os tratamentos e se o inicio dos mesmos estava pendente da 2ª opinião, os exames não nos deveriam ser disponibilizados com a maior brevidade para que o tratamento não atrasasse ainda mais? Já para não falar que é um direito nosso.

Pedimos então tempo para falar, mas a médica não percebeu.

"Estamos aqui, vamos falar todos"
"A SÓS!!!" - disse-lhe eu.
"Então a que horas pensam dar-me a resposta" - insiste ela.
Eu e o Miguel olhamos um para o outro perdidos, chocados, assoberbados.
"Daqui a 15/20m, talvez" - digo-lhe eu
"Daqui a 15m não posso que vou almoçar, as 14h! Passo por cá para saber!"

A médica saiu da sala e a primeira coisa que disse ao Miguel foi "Não confio nela Miguel".
Falámos os prós e os contras, analisamos tudo, liguei ao meu Pai para pedir orientação, à prima Pipas e descobrimos que não era consensual.

O Pai dizia para eu fazer o que o meu coração mandava, que não havia ninguém neste mundo que amasse tanto a nossa filha como nós Pais e que lhe quisesse melhor futuro. Para desbravar as opiniões e outras formas de tratar a doença e depois tomar a melhor decisão.
A prima Pipas era da opinião que deveríamos começar imediatamente o tratamento para que os riscos de sucesso fossem os maiores possíveis e para que a doença não alastrasse ainda mais.

E nós, Pais, o que sentíamos em relação a isto? Que decisão tomar? O Miguel dizia que eu decidia e eu não queria decidir sozinha. Mas sentia que o caminho era perceber se no outro lado do oceano tinham mais para oferecer. A minha procura era um tratamento que fosse diferente do que me tinha sido proposto para analisar os resultados e taxa de sobrevida. Idealmente queríamos um tratamento que fosse mais direccionado às células más e não atacasse tanto as boas como a quimioterapia. 

Tínhamos 1 hora e pouco até a médica regressar. 

Falámos com a Enfermeira e pedimos o favor de nos chamar a Dr.ª Gabriela, não iríamos tomar nenhuma decisão sem ela.

Aguardamos que fosse hora de a médica nos procurar, mas surpresa, a Dr.ª Gabriela vinha com ela. Que bom! O meu coração encheu-se de alegria e confiança.

A Dr.ª Gabriela como é habitual cumprimentou a Matilde e deu dois beijinhos. Perguntou como tínhamos andado e como estavam as coisas. Explicamos tudo à Dr.ª Gabriela, tim tim por tim tim.

A Dr.ª Gabriela é um EXCELENTE ser humano que é, feita daquela fibra que pouco se encontra, colocou-nos logo à vontade e explicou-nos que o cancro da Matilde não ia ficar ainda pior por esperarmos 1 semana, que o principal problema seriam as dores que a Matilde poderia ter. Mas que quanto a isso já tínhamos medicação connosco (Nolotil e Morfina) e que a deveríamos utilizar, se víssemos que a dor se mantinha, deveríamos ligar para o IPO ou dirigirmos-nos lá. 

"Agora podem ir embora, e na sexta feira (era quarta) esperamos noticias da vossa decisão (se avançamos com o tratamento ou esperamos pela segunda opinião). A minha colega via dar-vos todos os exames que a Matilde fez aqui no IPO e as análises para que possam dispensar ao seguro" - a outra médica de sorriso forçado e amarelo disse que sim, sem problema ('Ca nervos!!)

Foi neste dia também que pedi ajuda à Dr.ª Gabriela para explicar à Matilde a sua doença.

"Dr.ª Gabriela, quero muito explicar à Matilde o que tem, mas não sei que palavras devo usar. Quero que ela perceba a sua condição, para a aceitar, mas não sei se posso usar as palavras que sei" - disse eu
"Mãe, fale com calma, explique que tem um dói dói..."
"Recuso-me a utilizar a palavra dói dói, não é isso que ela tem. Dói dói é quando caímos e esfolamos o joelho, isto é maior" - interrompi logo eu
A Dr.ª Gabriela sorriu
"Diga-lhe então que tem uma massa, um tumor" - propôs
Concordei, iria ter esta conversa no carro assim que saísse daqui.

Recolhemos os exames todos, CD's, relatórios e análises e fomos embora de consciência tranquila, sem medos, com muita expectativa das respostas que nos iriam chegar. Sabíamos que não estávamos a fazer mal à Matilde e que estávamos à procura de outras respostas, de outras perspectivas. Queríamos saber que mais havia pelo mundo fora. 

A Matilde ainda não tinha feito quaisquer tratamentos, ainda podia viajar, ainda podia fazer parte de qualquer ensaio clinico. Assim que começasse a quimioterapia, ficaria condicionada e era o que queríamos evitar se tivéssemos que partir para o outro lado do oceano. 

No fundo estávamos a assegurar que ninguém lhe tocava até termos explorado tudo.

Recebemos nessa tarde uma telefonema da seguradora da Matilde, o Dr. Daniel a recolher a história da Matilde. Contei-lhe tudo e disse-me que iria passar a pasta a uma médica da confiança dele e que era excelente (e não é que era mesmo?), a Dr.ª Joana. 

A Dr.ª Joana ligou-me nessa tarde e fiquei de lhe enviar os relatórios nesse dia e as imagens no dia seguinte. Foi um amor e criamos empatia logo de inicio. Senti que ficou bastante sensibilizada com a nossa situação e predispôs-se a ajudar sempre o máximo que conseguira. 

Mais uma boa pessoa que tinha sido colocada na nossa vida. Deus continua a ser grande!

Foi mais um dia que pequeno-almoço nem vê-lo e só jantei nesse dia. Estava de rastos! Com uma dor de cabeça interminável, com um humor de cão. Mas feliz por termos conseguido e por Deus ter permitido termos mais uns dias.

Tivemos que ir comprar um telefone novo, o meu tinha caído na sanita, dormiu no arroz, mas nada o ressuscitou. foram € 320 para o lixo num mês e meio... 

Mas tem que acontecer tudo ao mesmo tempo??? 

terça-feira, 23 de abril de 2019

Fátima

ANTES DE COMEÇAR PEDIMOS MUITA FORÇA


Hoje foi dia de ir a Fátima.

Reservamos o dia para a nossa Familia. Tomámos o pequeno-almoço fora e seguimos para Fátima, em busca de paz e serenidade.

Estava um dia cinzento: chuva, vento e frio! Mal chegámos ao Santuário caiu uma chuvada e tivemos que fica um pouco abrigados na Capelinha das Aparições.

Fomos comprar as velinhas e cada um escolheu a que queria. A Mãe foi a que trouxe mais, além de orar pela filha, ora sempre pela Familia, que também precisa de muita força.

Orámos juntos, antes de colocar as velas e cada um pediu o que mais desejava. 

Sentámos-nos na Capelinha das Aparições e por lá me deixei estar um pedaço a falar com Deus. 

Orando em boa companhia

Assim que saímos do Santuário, a Matilde pediu para ir ao WC e quando íamos fazer xixi o meu telefone, com 1 mês e meio de uso, caiu na sanita. Olhei para a Matilde e rimos-nos. Disse-lhe "Oh filha, estes telefones já são recentes, devem ser a prova de água.", limpei-o e bolso com ele.

Quando fomos almoçar precisei de usar o GPS e como era de prever, não funcionava. 

Eu e o Miguel olhámos-nos, sorrimos e dissemos: "Mais vale isto de que uma perna partida, da Matilde não podemos dizer isto". 

Comprámos uns miminhos às avós e ao avô João.

À vinda, os meninos adormeceram e quis levar o Duarte a um sitio que ele gosta muito e que a Matilde visitou durante os seus primeiros anos de vida, as Salinas de Rio Maior.

Estava tudo fechado, mas deu para ele recordar e tirarmos uma foto deles juntos debaixo da oliveira.
A oliveira

Compramos uns docinhos para o guloso do Avô Luís e seguimos para casa.


Deitámos-nos com uma ansiedade enorme pelo dia que se aproximava, o da Quimioterapia e estive até as 2h da manhã na internet a pesquisar os efeitos secundários em crianças. Não encontrei muito, apenas referências que eles a aguentam melhor que nós. Mais um ensinamento grandioso!!

O Pai Miguel e os seus amores

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Descobertas

O QUE DESCOBRIMOS....

Quando somos confrontados com um diagnóstico destes somos confrontados com vários sentimos e descobertas.

Somos confrontados com sentimentos como: 

MEDO (acho que este é o maior de todos) de várias formas:
 - o medo do futuro
 - o medo da doença em si
 - o medo do desconhecido
 - o medo da morte/perda
 - o medo da mudança
 - o medo dos tratamentos
 - o medo de não suportar
 - o medo de perder o emprego 
 - o medo de perder a estabilidade/rotinas da nossa vida
 - o medo de não ter capacidade financeira para algum tratamento
 - o medo de tomar más decisões
 - o medo de não estar à altura do desafio

INCERTEZA
 - a incerteza do diagnóstico 
 - a incerteza da cura
 - a incerteza da resiliência
 - a incerteza do sucesso
 - a incerteza do futuro

ANSIEDADE
 - a ansiedade dos exames 
 - a ansiedade com os resultados apresentados

FALHA/CULPA
 - culpa por estarmos a falhar com o nosso emprego, em quem tanta confiança depositou em nós
 - falha como Mãe e Mulher, porque as prioridades se alteram e mesmo que queiramos o nosso filho são fica sempre com menos da Mãe para ele e isso fá-lo sofrer, bem como o Miguel que tem menos da mulher dele para ele, pelas ausências como pelo cansaço.


Mas também fazemos várias descobertas, umas boas outras nem tanto:
 - descobrimos quem são os nossos amigos de verdade e esses ainda se aproximam mais e a amizade ainda fica mais forte.
 - descobrimos amigos que não sabíamos que tínhamos e que têm um sentimento tão bonito por nós. Sendo esta a altura mais difícil das nossas vidas, se aproximam e mostram a sua vontade de estar connosco nesta batalha.
 - descobrimos que as pessoas, no geral, não sabem como nos abordar. Têm receio de nos melindrar, de não saberem o que dizer. Não sabem se devem ser otimistas ou realistas, se devem mostrar uma voz carregada ou alegre, se 'devem' chorar ou rir, se podem falar de outras coisas que não o cancro. Para os outros também existem imensas dúvidas quanto a nós, mas tudo se resume à personalidade da pessoa em questão e quanto a isso não há formulas, mas àqueles que tem receio da palavra, enviem SMS, pode até nem dizer muita coisa mas significa que estão ali, que se preocupam, que estão presentes.
 - descobrimos que nós adultos somos uns fracos comparados com as crianças no que toca ao cancro. Com um diagnóstico destes raro é o adulto que consegue continuar uma vida normal, já uma criança... A ingenuidade delas e o factor desconhecido faz com que tenham mil vezes mais força para enfrentar isto, afinal é só um 'cancuru'.
 - descobrimos que existem pessoas que julgam o cancro 'contagioso' e se afastam.
 - descobrimos a gratidão em todas as palavras de força e preocupação.
 - descobrimos que o repetir desgasta, mas que é no repetir que está a consciencialização do diagnóstico e que através disso interiorizamos melhor as coisas.
 - descobrimos que não existem planos a longo prazo, que as realidades e prioridades alteram, que tudo muda de sitio na nossa mente. 
 - descobrimos que não existem certezas, verdades absolutas, que a vida pode mudar de rumo num ápice. Tudo está bem e no momento a seguir está tudo a ruir. 

Nós sabíamos os bons amigos que tínhamos, mas este cancro veio mostrar-nos claramente quem faz parte do nosso núcleo duro, daquele que iremos levar para a vida. Os outros - fica na sua consciência - mas com a Graça de Deus, foram muito poucos! 

Agradecemos a todos a entrega nesta fase tão complicada da nossa vida, as constantes sms, telefonemas e visitas. Sentimos muita gratidão pelo vosso trabalho constante e diário connosco, Familia Migalhinha.

Estarão connosco para sempre!! 

Iremos pertencer ao núcleo dos D.U.R.O.S.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Exames diagnóstico - Parte II






mIBG 

Tínhamos o exame marcado para as 10:00 e tínhamos que administrar o contraste com pelo menos 1h de antecedência.

O contraste deve ser administrado nas pregas sub-cutâneas do nosso corpo: dobras das penas e braços, virilhas e sovacos, no dia anterior ao contraste, no dia do contraste e no dia do exame. Administramos nas dobras das pernas e braços, tal como no dia anterior. Foi uma tortura para a Matilde, ela chorava muito a dizer que lhe estava a doer, gritava com dores e nada podíamos fazer.

Dé-mos-lhe o pequeno almoço e segui para o IPO com ela, o pai ficou a ultimar as coisas para o nosso fim de semana.

O mIBG consiste na leitura do contraste que tinha sido administrado no dia anterior, ou seja, administram o contraste e ele fixa-se nas células tumorais. Onde existirem células, vai 'brilhar' no exame e dar-nos uma visão clara das suas metásteses. Depois a leitura e feita numa máquina que tem umas placas por cima e por baixo do corpo, tipo hambúrger, em que as placas ficam o mais próximo possível do corpo.

Fizemos o mIBG sem problema, mas é um exame demorado e que requer que a Matilde esteja quieta e sossegada. A máquina lê as várias partes do corpo e demora 10m para cada uma: 10m para as pernas, 10m para as ancas, 10m para abdomen e 10m para a cabeça, ou seja 50m a 1h que a Matilde está deitada, imóvel e não se pode mesmo mexer para não afectar as leituras e ficarmos com imagens claras. Estão a imaginar uma criança de 4 anos sossegada este tempo todo? Com placas a menos de 3cm da sua cara? 

Acabámos o exame e fomos ao HD (hospital de dia) para que a Matilde fizesse uma transfusão de sangue porque tinha uma anemia já considerável (6.8 de hemoglobina) e como íamos de fim de semana para o Algarve e só voltaríamos para os tratamentos, estaríamos mais descansados.

Fazer a transfusão implica estar atento a qualquer sintoma que apareça de novo: tosse, comichão, rash, vermelhidão, etc, dado que pode estar a manifestar-se uma alergia ao sangue que está a receber e ser preciso interromper e administrar um anti-alérgico.

Não foi necessário, a Matilde não fez nenhuma reacção e em menos de 2h estávamos despachadas para arrumar o que faltava e irmos em direcção ao nosso Algarve. O sítio preferido da Matilde. O sítio onde se sente mais confortável. Palavras dela.

Chegámos ao Algarve por volta das 18h e os Tios e Primos já lá estavam à nossa espera. 

A Matilde dormiu todo o caminho e quando acordou tinha dores significativas no seu pescoço do lado direito (onde tem a metástese) e nesse dia ficou com a sua cabeça torta, como se fosse um grande torcicolo, e cheia de dores e foi necessário administrar Nolotil. Nós temos uma cadeira para o carro Grupo III, percebemos claramente a necessidade urgente de adquirir outra que fosse mais confortável e que reclinasse, de forma a que pudesse descansar em viagens ou mesmo quando viesse debilitada dos tratamentos que a esperavam.

Ultrapassada a questão da dor do pescoço e voltando a endireitar a cabeça, apenas precisávamos de fazer medicação para a febre esporádica (normalmente 2x dia) que tinha e nunca mais que 38º/38.3º. 

No Sábado de manhã foi a última vez que registei febre nela e já não tinha dores desde que chegou ao sítio preferido dela.

Que felicidade era poder estar com ela num sítio que ela tanto gosta e que lhe trás tanta paz. Passámos uns dias maravilhosos em família e em paz. Brincou muito, comeu muitos gelados, molhou os pés na água salgada e divertiu-se com as suas limitações (não corre nem anda muito a pé porque se cansa com facilidade).

Com as voltas que dávamos percebemos também que para seu maior conforto era melhor adquirir um carrinho maior e que reclinasse na totalidade (já tínhamos uma bengala, que ela mal utilizava). Comprámos tudo no GuiaShopping e realmente o conforto aumentou bastante. 

Regressámos na Segunda feira, dia 22 de Abril e a Matilde iniciaria os tratamentos a 24 de Abril.

Mas não começou....




A Matilde a fazer a transfusão de sangue

Algar Seco - Carvoeiro - Sítio de paz
A molhar os pés com o mano

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Exames diagnóstico - Parte I

BIOPSIA GUIADA POR TAC E CONTRASTE DO mIBG

Os dias vão passando e a Matilde vai estando bem, as dores minimizaram depois do clister e tem estado tranquila. O que é sempre bom.

Vem ai a Páscoa e tínhamos planeado, antes disto tudo, ir passar uma semana de férias ao Algarve. Iríamos muito à praia e ao Zoomarine (sitio preferido da Matilde). Como a Matilde estava estável, decidi pedir à Dr.ª Gabriela se podíamos ir. Concordou e disse, entre risos, que era um muito bom plano. Que alegria tão grande! Podemos ir passar a Páscoa ao Algarve com a família paterna, assim que os exames terminarem.

Hoje é dia de biopsia guiada por TAC, anestesiada claro, e injectar um contraste para amanhã realizar o mIBG, um exame radioactivo que mostra onde o cancro esta metastizado.

Apresentamos-nos no Hospital de Dia do IPO cedinho para colocar o catéter e fazer análises. 
Assim que entramos na sala, a Matilde começou a chorar muito a dizer que não queria colocar a 'torneirinha' e quando mais lhe diziam que tem que ser, mais ela gritava e esperneava. Gritava de raiva, de tristeza, de desespero, com os olhos muito abertos na minha direcção a dizer que "NÃOOOO, eu já disse que NÃOOO e ponto final!". 

Todos nós sabemos que aquilo tinha que ser feito, por isso abracei-a com força para que os braços não se mexessem e como não a tínhamos ouvido e não se conseguia mexer, mordeu-me. Mordeu-me com muita força. Não estava à espera!

"Tu mordeste-me Matilde!" - disse-lhe eu espantada
Não me disse nada
"Larga-me quero ver, larga-me que não vou fazer nada!"
Fiz o que me pediu com as lágrimas a correrem-me pela cara. Como era possível ela ter que ser sujeita a este sofrimento e eu não poder fazer nada?

Fomos ao WC fazer xixi e sentei-a no muda fraldas e ficámos as duas a olhar-nos e a chorar em silêncio. Foi muito intenso aquele olhar mútuo, foi de compreensão, de aceitação, de desculpabilização, de ajuda. Foi o momento chave que mudou o rumo das coisas. Abraçamos-nos e pedimos desculpa uma à outra. Limpámos as lágrimas e voltámos a colocar os nossos sorrisos. Somos fortes, somos duras, somos de garra!!

Fomos para a imagiologia e esperamos a nossa vez.
Aparece a Dr.ª Lurdes, a amável Dr.ª Lurdes anestesista. Recebe-nos com um sorriso como é costume, pergunta como temos estado. Ausculta a Matilde e diz estar tudo ok. Entrámos na sala do donut (como a Matilde chama às TAC) e deita-se sabendo que vai dormir. Ri-se muito, diz tonteiras, e lá vem outra vez aquela conversa.

"Estou a ficar tão tontinha..." 
"É normal filha, a Mãe está aqui amor"
"Eu sei Mãe, mas isto é mesmo divertido, tontinhaaaaa" - dizia ela entre risinhos
Eu ria-me.
"Mãeeeee" fechava os olhos - abria "Mãeeeeee"
"Estou aqui meu anjo"
"Mãa....."

O meu coração ainda não estava preparado para este momento e as lágrimas ameaçaram cair, a atenta Dr.ª Lurdes que me olhava, questionou:

"Mãe, está novamente sozinha?"
"Sim, mas não se preocupe comigo, olhe pela minha menina"
"Eu olho Mãe, mas quem olha por si? Quem cuida de si?"
"Não se preocupe que eu tenho uma aldeia enorme, não estão aqui mas estão comigo"

A Dr.ª Lurdes sorriu e eu sai da sala, pedindo mais uma vez que cuidem da minha menina.

Vim à rua, estava frio e soube-me bem. deixei cair algumas lágrimas. Recompus-me e liguei ao Miguel. Ele vem a caminho. Bebi um café, comi um salame porque estava mais uma vez em jejum. Tirei uma água da máquina e guardei. A Matilde ia pedir-me água quando acordasse.

Voltei para junto da porta da TAC. A Dr.ª Gabriela andava por lá. Sossegou-me dizendo que tinham conseguido o material necessário, não seria preciso uma cirurgia. A Dr.ª Lurdes disse que estava quase. Poucos minutos depois a porta abriu-se e saiu a minha pequenina, adormecida ainda, como era normal. Recobro, comer.

O Pai Miguel chegou. Ajudou-nos a voltar ao Hospital de Dia e fiz questão que conhecesse a Dr.ª Gabriela. 

A Matilde que estava sentada numa cadeira de rodas, adormeceu.

Falamos com a Dr.ª Gabriela muito tempo, tanto que perdemos a conta... Questionamos se valia a pena iniciar os tratamentos, ao que a Dr.ª Gabriela nos disse que deveria ser dada essa oportunidade à Matilde, eu estava céptica ou aterrorizada, porque eu não queria iniciar, isto já era tão ruim, que não valia a pena estar a sujeita-la a mais sofrimento e maldades, não existira necessidade de a estar a inundar de químicos fortes que a façam perder o cabelo, vomitar, perder as forças e as suas capacidades para depois não ter qualidade de vida. Sempre priorizei a qualidade de vida em prol de tudo. E assim continuo a pensar. O Pai Miguel queria iniciar os tratamentos, por isso decidimos avançar. Perante duas opiniões divergentes em que uma é mais radical, temos sempre que priorizar aquela que é mais razoável.

Foi-nos dito em que consistia o tratamento da Matilde, seria assim:
  • Quimioterapia
    • 8 ciclos com 10 dias de intervalo cada
  • Cirurgia
  • Quimioterapia de alta dose + autotransplante
  • Radioterapia
  • Imunoterapia
Aceitamos o que nos estava a ser proposto e combinamos que iniciávamos a 24/04/2019, assim que viéssemos do Algarve. Deveríamos de ir ao piso 7 - pediatria e dar entrada pelas 10h30/11h00.

Tudo combinado e deixamos o Pai Miguel ir trabalhar e fomos fazer o Lugol (para proteger a tiróide do exame nuclear). Existem duas formas de administrar o Lugol: nas pregas subcutanêas ou via oral. 

Tentámos pela via oral e foi a pior asneirada do mundo! Aquilo parece tintura de iodo, a Matilde ficou com dos dentes e língua todos castanhos, com um sabor horrível, acabou por vomitar e depois não quis mesmo tomar mais nada! Teve que ser posto nas pregas (axilas, virilhas, dobras as pernas e braços).

Fui eu que lhe dei o Lugol oralmente, assim que a Matilde vomitou, aproximou-se de mim outra Mãe que lá estava e disse-me ao ouvido com um sorriso "Fiz o mesmo há 4 anos atrás" e falamos um pouco sobre isso. Foi bom saber que não estava naquela caminhada sozinha, que é normal cometer este tipo de erros. 

Esperamos cerca de 1h e fomos à Medicina Nuclear para injectarem o contraste do exame de amanhã. Injectaram sem problemas e as enfermeiras lá são fenomenais. Brincaram muito com a Matilde, riram-se e ofereceram-lhe uns miminhos.

Viemos para casa preparar o jantar para a família Figueiredo que vinha jantar connosco hoje. Arroz de Pato. 

A Matilde adormeceu e teve a dormir a tarde toda. Até à hora do jantar. Não teve grande apetite, comeu pouco e durante o jantar o Avô João teve que ir apanhar ar fresco de tão emocionado que estava com a condição clínica sua Má.

Amanhã temos que voltar ao IPO para fazer o mIBG e se tudo correr bem, a seguir vamos para o ALGARVEEEEEE!! Ohhh yeahhhh

domingo, 14 de abril de 2019

Contratempos

Serviço de Urgência da Estefânia

Tenho que dizer primeiro que a médica que nos calhou, não poderia ser melhor. É humana, atenta, preocupada e criei uma empatia e confiança tão grandes que dou graças a Deus por ter sido ela a receber-nos. Porque nem todas as que lá trabalham são feitas desta fibra!

A Matilde recuperou bem dos exames a que foi sujeita, bem como da anestesia. Passou os dias a descansar, mas as dores de barriga voltaram em força. Tentámos tudo para a acalmar: saco de água quente, ben-u-ron, brufen e nada fazia efeito. 

O nossos coração disparou. Seria sinal que estaria a piorar a sua condição? 

A barriga estava dura e muito inchada. Ela contorcia-se com dores. Nós sem saber o que mais fazer para lhe tirar as dores.

Lembrei-me que ela já não fazia cocó desde o exame, na Quinta-feira (era Sábado). Compramos Microlax e fui administrando o Microlax, sem grandes resultados.

Todas as crianças que são tratadas no IPO, têm um número directo para ligar para nós Pais podermos falar directamente com os médicos. Liguei e calhou lá estar o nosso anjinho, a Dr.ª Gabriela. Passou-nos um medicamento diferente (Buscopan em supositório) e um outro para que ela fizesse cocó mais mole (Lactulose).

Continuou sem resultados e as dores mantinham-se, especialmente de noite.

Recebemos uma SMS da Dr.ª Gabriela a perguntar o estado da Matilde e dissemos-lhe que não estava a ter melhoras. Aconselhou-nos a ir à Estefânia para obter ajuda e assim o fizemos.

Voltamos a entrar na urgência daquele hospital, que nos tinha colocado à deriva. Rapidamente a Matilde foi vista na triagem e teria uma pulseira laranja. O Enf. que estava no posto de triagem do lado ao ouvir a nossa conversa e a ver a Matilde a responder tão bem, levantou-se e questionou-me se ela já tinha começado os tratamentos, ao responder que não, o Enf. virou-se para a colega e disse "podes retirar isto e isto e dás a amarela". Olhou para mim e disse "se ela já tivesse a fazer tratamentos a conversa era outra, assim sendo não há necessidade de ser laranja". Fiquei incrédula! Mas não disse nada, sorri e levantei-me para a sala de espera. Estava vazia, seria rápido de qualquer das formas.

Fomos chamados para o médico e como é habitual a Matilde começou a falar muito com o médico e a fazer perguntas, a pedir pauzinhos para desenhar enquanto eu descrevia o que ela tinha e o que era pretendido daquela visita - fazer uma mega clister!
O médico sem paciência - devia estar a ter um dia mau - chamou um graduado para uma segunda opinião e decidiram fazer aquilo que eu pedira, um clister grande. A Matilde continuava a falar sem parar e a certa altura o médico pergunta-lhe:
"Tu não achas que estás a falar muito Matilde? Tens que estar caladinha um pouco"
Choque meu, mas a minha filha arrumou-o bem arrumadinho.
"E tu não achas que estás a ser muito bruto?" - responde a minha filha. Mas que grande filha que eu tenho!! Pumbas, mereceu. Olhei para ela pisquei o olho e sorri. E fomos embora fazer o clister.

É este tipo de profissionais que por vezes temos o azar de apanhar em serviços de urgência pediátrica. Profissionais sem paciência, profissionais cansados, sem humor e amabilidade. Foi de longe a pior equipa que apanhei na Estefânia e eu fui lá muitas vezes!

O mega clister fez efeito na Matilde e depois de uma breve reavaliação, que não incluiu palpação na barriga, voltamos a casa e a noite foi bem melhor para ela. Que felicidade! 

A Lactulose fez efeito e no dia seguinte fez um cocó do tamanho do mundo, fizemos uma festa cá em casa e até fomos jantar fora. Acho que a alegria deste cocó foi superior a todos aqueles que fez quando era bebé.

Compreendemos que o intestino da Matilde ficou mais preguiçoso devido a um fármaco utilizado durante os exames que se chama Fentanil, da família da Morfina, pode causar este tipo de sintomas. 

De louvar todo o acompanhamento da Dr.ª Gabriela nos deu, um tipo de colinho que não estamos habituados. Com SMS, telefonemas, cuidado em querer saber, com muito mimo pelo meio. Conheço-a à tão pouco tempo e já a adoro.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

O mundo desconhecido do IPO

IPO - D1


Tínhamos consulta marcada com a Dr.ª Gabriela Caldas entre as 09:30/10:00.

A Matilde tinha que estar em jejum porque ia fazer exames nessa tarde. 
Medulograma e biopsia óssea, para percebermos se o cancro já estava metastizado para os ossos e medula.

Depois de uma noite difícil, em que muito do tempo foi usado em pesquisas no Dr. Google sobre o significado de Neuroblastoma, tratamentos e tempos de vida, acordamos cedo e preparámos-nos. O Pai Miguel ia-nos levar ao IPO e tomámos a decisão que o Duarte nos iria acompanhar. 

Lembro-me de estar tão nervosa e tão ansiosa que pensei que ia vomitar pelo caminho várias vezes. 

Aproveitei a viagem para ligar à Tia Maria João que ainda não sabia - tinha sido poupada pelos anos da filha no dia 10/04 - e demos-lhe a pior noticia de sempre. Foi terrível e dado que tinha os níveis de ansiedade e nervos muito altos foi por milagre que consegui controlar as lágrimas.

Nesse momento, percebi que facilmente os mais pequenos nos entendem tão bem e que é com facilidade que lhes passamos as coisas. Assim que desliguei o telefone, a Matilde disse-me lá de trás:
"Mãe, estou tão enjoada" 
"Mas queres vomitar?"
"Não Mãe, é só uma coisa aqui na minha barriga que me faz ficar enjoada"
Silêncio

Chegamos ao IPO e entrámos pela porta que tinha usado anos antes para ir visitar um filho de uma amiga de infância a UTM. Procurámos o Hospital de Dia Pediátrico e por engano ou ansiedade de chegar e resolver as coisas, vimos mal a placa e paramos ao pé da porta do Hospital de Dia, mas dos adultos.

Não sabíamos o que ia ser o futuro e se a Matilde ficaria já internada para tratamento.

Até ao momento o meu Miguel tinha sido forte, não demonstrou a tristeza e medo que sentia, até aquela manhã.
Assim que saiu do carro para dar um beijo à Matilde e lhe entregar a sua medalha da sorte, desfez-se em lágrimas como nunca tinha visto, completamente desfeito e desintegrado. O Miguel era tantos pedaços naquele momento que eu lhe ofereci o meu ombro por momentos. E abraçamos-nos com força, muita! 

Lá demos com o sitio certo, onde já estava a minha Mãe à espera de nós. Entrou na sala pouco depois de nós lá estarmos. Era a primeira vez que nos víamos depois de lhe ter partido o coração. Abraçou-me mas não deixei que fosse por muito tempo, queria ter força, não ficar sem ela.

Fizemos jogos e pinturas com a Matilde, sem nunca olhar muito nos olhos da minha Mãe, não conseguia.

A Dr.ª Gabriela apareceu e chamou-nos para a consulta. A Matilde não quis entrar, pelo que fui só eu que entrei no gabinete.

Apresentações feitas, sabíamos o que nos levava ali e já tinha muitas questões a fazer.
 - É urgente tratar?
 - Em que consistia o tratamento?
 - Qual o estadio da doença?
 - Valia a pena o tratamento?
 - Prós e contras do tratamento?
 - O que nos espera agora no imediato?

Os pensamentos tinham sido afinados na noite anterior em conversa com o Miguel enquanto o jantar se fazia. Sem conseguirmos muito bem enfrentarmos-nos e sabendo que conversas difíceis viriam ai e que iríamos ter que abordar a morte, o desgosto, o sofrimento.

Falei com a médica como sou: aberta e honesta, sem medo de represálias, sem medo do julgamento e a Dr.ª Gabriela acabou a consulta com os olhos humedecidos e com um grande elogio, dizendo que já fazia aquela consulta à muito tempo e que não tinha visto muitas Mães assim.
"Assim como?" - perguntei eu
"Tão fortes como está a ser. Não tenha dúvidas que está a ser muito forte mesmo!"
As lágrimas começaram a formar-se nos meus olhos
"Não se deixe iludir, eu estou destroçada, mas faço que o tem que ser feito" - com um soluço a ameaçar sair.
Acabámos a consulta assim.

Peguei na Matilde e fomos colocar o catéter e fazer análises. Voltámos para a sala de espera para aguardar a consulta de Anestesia com a Dr.ª Lurdes.

Combinei com a minha Mãe que assim que a Matilde fosse admitida poderia ir embora, dado que depois ficaríamos numa outra sala à espera de entrar na sala de exames para a Matilde ser sedada e realizar o exame. De certa forma, não me apetecia partilhar aquele dia com ninguém que não fosse o Miguel. Queria estar completamente disponível para ela, para a poder compreender e apoiar, estar atenta. Queria principalmente resguarda-la da ansiedade que as outras pessoas pudessem sentir ao pé dela. Estava em modo Mãe-Leoa.
Não me apetecia partilhar nada com ninguém, queria muito estar com a Matilde a sós. Ontem precisava de colo, hoje de espaço. Estranho isto dos sentimentos.

Quando chegou a hora do exame, a Matilde já sabia ao que ia. Iam por uns pózinhos mágicos na sua torneirinha (como ela chama amorosamente ao seu catéter) e ela iria dormir enquanto faziam o exame, assim que acordasse a Mãe estaria ao seu lado. Não iria sair dali, estaria sempre com ela.

Levei-a ao mini-bloco que existe no Hospital de Dia para este tipo de exames e levava-a ao colo. Deitei-a na marquesa e todos os que lá estavam começaram a desempenhar as suas tarefas. A Matilde que estava a dormir, acordou e começou a absorver aquele ambiente que ela gosta porque vê as séries comigo à noite e quer ser médica.
"Vais ficar tonta, mas é normal Matilde" - avisou a Dr.ª Lurdes
"Ai que estou a ficar tontinha..." - dizia ela por entre risos
Os meus olhos não largavam os dela e a de mãos dadas, a minha vontade era tê-la nos braços.
E de repente, a cabeça tombou e os olhos reviraram, a mão ficou sem força e pediram que lhe desse um beijinho. Colocaram a máscara na boca e nariz dela. 
O meu coração não estava preparado para aquilo e as lágrimas saíram numa velocidade que não consegui controlar.
"Está sozinha Mãe?" - perguntou a amável Dr.ª Lurdes
"Sim" - estava paralisada! - "Mas não se preocupe comigo, que estou bem, vou só apanhar ar e já fico bem, sou forte!" 
Desbloquei e sai da sala, directa para a rua, onde liguei ao Miguel em busca de força. Assim que ouvi a voz dele, controlei-me, afinal não era justo que ele longe, sem saber o que se estava a passar, me ouvisse descontrolada. 

Aproveitei para beber um ice tea, eram 14:15 e eu ainda estava em jejum e a minha cabeça começou a dar sinal de falta de alimento. Não tinha comido antes porque não conseguia comer nada, não conseguia sequer pensar em comida.

Voltei para dentro e passados uns 15m a minha princesa saiu da sala ainda adormecida. A Enf. Márcia ligou-a aos monitores e assim ficamos até ela despertar, o que também é muito estranho, abre os olhos fixamente e volta a fechar, abre novamente e volta a fechar. É assim até ficar consciente.

Recuperou depressa, quis comer, comeu e o Pai Miguel chegou mais o nosso Mano Duarte para nos vir buscar.

Vamos para casa com indicação que já fez medicação para as dores e que podermos repetir mais tarde.

O resto da noite foi passado em família a descansar. A recuperar dos exames e da anestesia. A tentar minimizar a dor que ela sentia pelo procedimento a que foi sujeita. Com muitas conversas curtas e abraços na cozinha entre eu e o Miguel.

Agora só teríamos que voltar ao IPO na próxima quarta feira - 17/04/2019 - para fazer uma biópsia guiada por TAC ao Neuroblastoma para definir a sua malignidade e genética. Tínhamos uns dias de descanso. Para assentar ideias e definir planos de ataque.



Antes de entrar na sala de exames

Após ter saído da sala, quando ainda estava anestesiada

quarta-feira, 10 de abril de 2019

10 de Abril de 2019 - Hospital Dona Estefânia

O DIA QUE MUDOU AS NOSSAS VIDAS

Eram 10h00 e eu estava no banho quando ouvi a Dr.ª Joana a perguntar a Matilde pela Mãe. 
 - "Está a tomar banho" - disse a Matilde e eu ouvia a conversa com um sorriso pensando que a minha filha era mesmo uma despachada, sempre de resposta pronta.

Acabei de tomar banho com alguma pressa, pois sabia quererem falar comigo sobre o resultado dos exames que a Matilde tinha feito no dia anterior, 2 TAC's (uma con contraste) e uma Eco abdominal. Eu própria estava ansiosa por ouvir os resultados e perceber se já existia diagnóstico.


Íamos no 8 dia consecutivo de internamento sem respostas. Análises todos os dias, já tinha feito 2 eco's ao abdómen, um TAC e eco à perna esquerda que lhe doía (e coxeava) sem resultados. Todos os exames que eram pedidos vinham negativos e continuávamos a escalar a pirâmide das doenças prováveis, as mais simples e mais fáceis de tratar já tinham sido descartadas, restavam-nos as outras, aquelas que desconhecíamos existir e aquelas que sabemos existir mas que não cremos que nos batam à porta.


Entrei no quarto e ainda estava a secar o cabelo, a Dr.ª Joana e outra médica hematologista dirigiram-se a mim e perguntaram se podíamos falar na salinha pequena. Com um sorriso pronto, afinal a Matilde estava ao meu lado, lhes disse que sim. 


"Está tudo lixado Marta!!" 

Assim que saímos a porta do quarto uma delas pergunta se o Miguel vai demorar muito a chegar e se preferia esperar por ele? Não quero esperar, depois ligo para ele vir, já que ele só costumava vir pela hora do almoço. 
"Agora é que está mesmo tudo lixado mas com F e CAPS LOCK"

Sentámos-nos na pequena sala as três e primeiro falou a hematologista. Diz que fizeram todas as análises prováveis e que as mesmas vieram negativas, que os exames de ontem tinham revelado 3 massas suspeitas na barriga da Matilde e que se previam que fossem tumurais, más, neoplásicas. Que lamentavam, mas que era comum até aos 5 anos, que iríamos ser bem acompanhados. Disse ainda que tínhamos consulta no dia seguinte no IPO para fazer mais exames e perceber concretamente do que estaríamos a falar. Ainda perguntaram se queríamos dormir lá e amanhã ir directamente para o IPO ou se preferíamos ir dormir a casa. Como é óbvio: CASA!!!!!


Sorri, lembro-me de sorrir muito para elas e dizer que sim a tudo, já não estava a ouvir. Pedi para ir apanhar ar, precisava desesperadamente disso.

Percebi, assim que sai daquela sala, que já todo o serviço sabia da condição delicada em que se encontrava a minha filha, soube isso pela pena que vi nos olhos daqueles que estavam no corredor à espera que saísse, soube também assim que entrei no quarto e vi a Matilde estrategicamente colocada de costas para mim a brincar com a auxiliar e um voluntário. Sentei-me, calcei os ténis, sem conseguir sequer olhar a minha filha e sai com as lágrimas já a descer pela cara.


Lembro-me também que fiz o corredor com os olhos no chão e assim que sai da porta do serviço o meu primeiro pensamento foi: "Deus dá as batalhas aos mais fortes, por isso eu sei que vou ter força, mas ajuda a minha cabeça a ficar bem, que vou precisar tanto dela, eu aguento, mas ajuda-me nesta parte por favor Meu Deus".


Cheguei à rua e sentia-me uma bomba, precisava de explodir. Tinha que avisar o Miguel, mas não iria fazê-lo antes de conseguir libertar-me de alguma tensão, não era justo para ele que estava descansado a trabalhar, julgando estar tudo bem com a sua filha.


"Marta, a quem vais ligar primeiro?! Não pode ser à Mãe nem ao Pai, ainda não estou suficientemente forte, não pode ser aos avós da Matilde que a avó Eduarda não vai aguentar. A Andreia vai desabar comigo, vou desfazê-la em três tempos se lhe ligar neste grau de ansiedade e a Rita está no novo trabalho dela não tenho o direito de a destabilizar. A quem...?" 


Precisava de alguém que me dê força, que perceba o que sinto, um colo onde possa desabar, chorar e principalmente alguém que me dê a força que vou precisar para lidar com isto daqui para a frente, a força que eu não estou a ter. E só de uma pessoa me lembrei: Ana Santos. Foi muito injusto para ela receber esta notícia em primeira mão, comigo feita em pedaços, mas sabia ser ela a pessoa perfeita para em poucos minutos me reconstruir com a sua força e palavras sabias, com a sua destreza. Precisava tanto de colo!! 


Liguei, atendeu com a sua sempre doce voz:

"Então minha querida?" - e já não me lembro do resto porque desabei, soluçava tanto...
"Oh Ana..." - dizia eu
"Acalma-te minha querida e diz-me o que se passa!"
"Oh Ana..." - voltava eu a dizer enquanto soluçava
"Mas espera... Vamos por partes. É a Matilde?"
"A Matilde tem um cancro" - Verbalizei a palavra, logo pelo nome, sem medos, com coragem!
Aí, nesse momento que verbalizei, desabamos as duas, mães e conscientes da dor que este tipo de notícia provoca. Choramos juntas com suspiros de dor e palavras perdidas nos soluços.

A Ana esteve junto a mim nesse telefonema até eu precisar, até eu estar de novo colada, até ter reunido novamente as forças que tinha perdido. Até voltar a ser eu, a Marta destemida, lutadora e confiante, optimista e perseverante, com garra e cabeça levantada. 

A Ana não sabe, mas nesse dia tornou-se numa das pessoas mais importantes da minha vida, foi a pessoa que me reconstruíu e me encheu de força. Foi o único colo, onde me permiti chorar como chorei, onde me permiti perder as forças, onde soltei os primeiros pensamentos sobre este bastardo!! 


No momento a seguir, liguei ao Miguel. 

Respirei fundo demasiadas vezes e chamou. Atendeu.
"Estás bem amor?" - perguntei docemente reprimido as lágrimas até a exaustão - "Onde estás? As médicas precisam de falar connosco à cerca da Matilde, devias cá vir."
O Miguel é brincalhão e infantil por natureza, mas ele percebeu.
"Uiiiii, tu já sabes o que é?" - perguntou ele com voz endurecida
"Sim" - não menti
"É grave?"
"Sim" - não voltei a mentir
"A caminho"

Ainda fiz mais um telefonema, para a nossa prima Pipas que também é médica e precisava de orientação clínica, no fundo alguém que me dissesse que o que a Matilde tinha não era grave. Não foi o caso. Falámos um pouco e perguntou se eu queria que ela lá fosse, disse que não, estava grávida de muitas semanas e não a queria sujeitar a esse sofrimento.

Voltei a respirar fundo, porque o pior momento de todos estava para vir. Enfrentar e olhar nos olhos da minha filha sem demonstrar toda a tristeza que sentia... 


Subi, voltei a fazer o corredor com os olhos postos no chão, penso que 1 ou 2 pessoas me abordaram mas não sei quem foram ou que disseram. A minha cabeça estava longe.


Entrei no quarto e ela não estava, estava na sala lúdica. 
Assim que me viu mostrou um belo sorriso que fez levantar um pouco da fita cola que o meu coração já tinha, a que a Ana lhe tinha posto. 
Fomos para o quarto e lá lhe disse que tinha uma boa notícia para ela, íamos para casa. Íamos dormir ao pé do Pai, do mano e do seu Picanha. 

Ficou radiante! E ainda acrescentei, amanhã vamos conhecer um novo hospital, vai ter muitos jogos e brincadeiras e a Mãe vai estar sempre sempre contigo.


Incrível como não conseguia olhar muito tempo nos seus olhos ingénuos e esconder-lhe que ela tinha um Cancro. Mas era informação a mais para ela, ela não sabia o que isso era e que implicações iria ter. Sentia que a estava a enganar, que não estava a ser honesta com ela. 


A Matilde tem 4 anos, mas é muito despachada, muito madura e assimila as coisas com muita facilidade, gosta muito de entender o porquê das coisas e a nossa relação, tal como com o Duarte, sempre foi baseada na verdade absoluta. Nunca escondi, nunca omiti ou menti sobre qualquer tema, explicando muito o que se iria passar, como e porquê. Para que confiem sempre na Mãe deles e saibam que é um porto seguro. 


Chegou o Pai. Branco, suado, com o olhar nervoso e ansioso por saber. Sentou-se no cadeirão e ficou a olhar para mim sem reacção. A Matilde não obteve reacção do Pai como era habitual, portanto ignorou-o. 


"É leucemia?" - Perguntou ele

"Queres que sejam as médicas a dizer-te ou queres saber já por mim?" - tinha urgência em saber, tal como eu. 
"A Matilde tem cancro" - disse-lhe claramente e em tom baixo, sentada na sua cama com ela nas minhas costas a recortar folhas. 
"Estamos lixados Marta" - disse ele completamente destruído.
"Pois estamos" - e como não conseguia segurar mais as lágrimas levantei-me para chamar as médicas. 

Falamos mais uma vez na sala e assim que saímos eu e o Miguel descemos para apanhar ar e falarmos abertamente. 

Não falamos muito. Ficamos especados de olhos no chão, perante a gigante dor que sentíamos. Nem sabíamos muito bem o que dizer na verdade. Era grande demais para assimilar, para absorver em curto espaço de tempo.

Recebemos um telefonema da nossa outra prima médica, a Patrícia, que a soluçar me disse que estava a caminho da Estefânia e desligou. Deixa-a vir. Precisava de alguém que fala-se a língua dos médicos e nos ajudasse, nos traduzisse o que se passava. Que nos desse apoio. E foi bom ter contado com ela, muito bom mesmo. 


Decidimos que iríamos contar a nossa família presencialmente e a mais alguns amigos próximos e não iríamos expor a mais ninguém nesta altura para nos resguardarmos. Foi a melhor decisão que tomamos, tivemos umas horas de paz sem ninguém a fazer perguntas. 


Subimos novamente e começámos a arrumar tudo. Queríamos sair dali o mais rápido possível, já não aguentava os olhares, as perguntas, as palavras de força quando ainda não tinha processado o diagnóstico. 


Chegou a prima Patrícia e falou novamente com a médica, a sós, não fiz questão de estar presente. 


Pegamos na Matilde e voamos dali com a condição de voltar mais tarde para recolher os exames para apresentar no IPO no dia seguinte.


Começava a parte mais difícil das más notícias, ter que destruir o coração de quem mais amamos e termos que repetir vezes sem conta as mesmas palavras, aquelas que cada vez que as pronunciamos nos vão cortando ainda mais o coração: "A Matilde tem um cancro".


A Avó Fátima não parava de ligar, pelo que tive que lhe dizer ao telefone, ficou em lágrimas. Foi um telefonema curto. 


Primeira paragem: Avô João. 

Assim que estávamos a chegar, cruzam-nos com ele. E as lágrimas correram pelo meu rosto. E disse-lhe entre dentes que a sua Má tinha cancro. 
Foi doloroso, muito mesmo. Não nos abraçamos porque não tínhamos força para dar um ao outro. Eu precisava de colo e o avô de força. 

A Tia Vanessa já sabia, pois eu liguei para que a avó Eduarda tomasse um comprido antes e ela não me deixou desligar sem eu lhe dizer o que se passava. Sempre optimista deu-me muitas palavras de força. 

Segunda paragem: casa do avô Luís

A avó Eduarda não soube da notícia logo, porque o seu coração podia não aguentar.

Depois fiz questão de ir à Tia Natália contar, foi desolador para ela, mas aguentou o embate, de dura que é aquela mulher!! 

Fui para casa e recebi a porta de casa a visita da Isabel, que nada mais fez que me confortar com o seu olhar experiente e sábio. Foi bom! Muito bom. E o seu abracinho foi milagroso.


O Tio Nuno assim que soube mandou SMS a dizer que estava a caminho de nossa casa, mas nós pedimos o mesmo à todos: espaço. Não sabíamos o que nos esperava daquele dia para a frente e queríamos espaço para estar os 5, todos juntos, sem mais ninguém. Apenas nós, a Família Migalhinha. 


Poupamos a notícia à Família Almeida, a prima Inês fazia anos. 


E ficamos no miminho a noite toda, a namorar-nos, a matar saudades, a ir muitas vezes a varanda respirar fundo muitas vezes. 


Foi o dia mais longo das nossas vidas, o mais duro, o mais pesado, o que mais emoção teve, o que mais medo carregou. 


Foi o único dia que me permiti chorar, soluçar, desesperar. 


Foi o dia que mudou as nossas vidas para sempre.


O dia 10 de Abril de 2019
A alegria da Matilde durante o seu internamento na Estefânia