PESSOAS INESPERADAS PARA TODA A VIDA
Mais um ciclo de quimioterapia, passados 10 dias do anterior e com algumas transfusões de sangue e plaquetas pelo meio. Também administramos religiosamente as injecções de crescimento que ajudam os glóbulos brancos a crescer mais rápido entre quimios.
Entramos no IPO pela primeira vez carequinhas e a Matilde ia toda vaidosa, mas sempre que a abordavam a dizer que estava gira que dói, ela ficava meio envergonhada mas embevecida.
Se no ciclo anterior tinha sido claro para nós que as consequências da quimioterapia tinham chegado, este ciclo trouxe à nossa vida pessoas que jamais vamos abrir mão!
Pequeno parênteses:
No IPO existe uma camaradagem muito grande entre a maior parte das Mães/Pais que lá estão. Se existe alguém no mundo que sabe o que estamos a passar, somos nós mesmos e por isso às vezes apenas um olhar conforta mais que um abraço. Há Mães que fazem internamentos longos e mesmo que não o façam é comum vermos-nos muitas vezes naqueles corredores atrás dos nossos filhos com os 'bobis' (carrinhos de soros/quimios) enquanto eles brincam ou andam no carrinho dos flintstones corredor acima, corredor abaixo. Tratamos-nos sempre por Mãe da/o ... e olhamos pelos filhos umas das outras para períodos de almoço, cafés, banhos ou cigarros na varanda. Normalmente quando chegamos ao IPO ainda estamos no nosso mundo, a digerir a notícia que nos foi dada, a fazer a aceitação do diagnóstico e tratamento (quando o há). Mas com o passar do tempo vamos mais vezes à sala de brinquedos e actividades, vamos dando uma palavrinha, vamos perguntando qual é o cancro que ataca cada um dos nosso filhos e trocando ideias, vivências, experiências, impressões, maneiras de ver a doença e trocando força.
Naquele ciclo, vi que ainda continuavam lá do ciclo anterior, a Mãe do Gui, a Mãe da Maria Inês e um adolescente.
E ainda quando nos estávamos a instalar no nosso quarto, a educadora informou-nos que naquele dia tínhamos umas surpresa! Vinha toda a equipa do Star Wars para ver os meninos. E que surpresa foi! Tirámos fotos com o Stormtrooper e com o Darth Vader e os seus amigos. A Matilde tinha algum medo de tirar as fotos sozinha, por isso tirou-as no meu colo.
Toda aquela algazarra à volta daquelas figuras, permitiu quebrar um pouquinho do gelo entre Mães, que também queriam tirar fotos com as figuras. Tirei uma foto à Mãe da Maria Inês com o Stormtrooper e trocámos os números pra eu a enviar por whatsapp. Mal sabia eu que cresceria ali uma amizade para a vida! Depois na sala de brinquedos, juntaram os meninos todos e tiraram uma foto. A Maria Inês, o Gui, a Matilde e o R., sendo que existem várias fotos da Matilde abraçada à Maria Inês e de mão dada com o Gui.
Eles foram embora e nós fomos para o nosso quartinho, quando aparece lá a Mãe do Gui a oferecer bolinho que tinha trazido. Bolinho de laranja. E uma vez que a Matilde já dormia a sesta, juntámos-nos todas à conversa à porta do quarto da Maria Inês, onde também estava a Margarida e a Leticya. No quarto em frente estava a Mãe da Yasmin, que estava isolada, tinha vinda da UTM e estava a recuperar os valores. Ficámos ali um pouquinho à conversa e foi ótimo. Criámos laços profundos de admiração, partilha, força, cumplicidade, compreensão, ajuda, etc...
A Matilde iniciou o tratamento, desta vez era a cisplatina. Tinha corrido muito bem da primeira vez, quase sem vómitos, pelo que estávamos otimistas.
As primeiras 24h foram pacificas, mas as restantes foram de vómitos constantes. Qualquer coisa que entrava saía. O padrão era: comer, 1 a 2h depois vomitar, voltar a pedir comida. Chegou a um ponto em que já não entrava comida, então passámos aos gelados. Calipo de morango e limão e epás. Mas o padrão, esse, era quase sempre o mesmo.
Como estes vómitos, apesar de serem alguns, estão previstos que assim sejam e que passem após 1-2 dias do fim da quimio, viemos para casa na mesma.
E aqui descobrimos outro padrão da Matilde. Em casa vomitava muito menos.
Quando regressámos a casa, primeiro fomos ter com os Tios e Avós ao café lá da zona, onde tem baloiços e onde se tinha tornado um hábito irmos todos os dias à tarde brincar. Ninguém queria crer que aquela menina que ali estava tinha saído de um internamento, que tinha estado a vomitar. Agora ela era criança outra vez! A brincar, a correr, a subir as escadas e a descer pelo escorrega.
Ali, naquele recinto, a Matilde tem apenas 5 anos. Pode ser criança e brincar. Não tem que ter a maturidade que o cancro lhe exige, ali ela pode ser ela mesma e dar vida e cor às brincadeiras e aos sonhos, pode embirrar com o primo e pedir ao irmão que a empurre com muita força nos baloiços. Pode dar ordens e querer tudo à maneira dela. Porque na maior parte do outro tempo que lhe sobra é a ela que tem que cumprir tomas de medicamentos, injecções, picadas e acatar indicações dos profissionais.
Por esse motivo, deixamos sempre que brinque à vontade ali e que gaste um pouquinho dos 'créditos' que acumula por bom comportamento. Ali ela pode ser a criança que deveria de ser, sem restrições. Ali ela é a Matilde e tem 5 anos! E está rodeada da família, de amor de verdade!
Mais um ciclo de quimioterapia, passados 10 dias do anterior e com algumas transfusões de sangue e plaquetas pelo meio. Também administramos religiosamente as injecções de crescimento que ajudam os glóbulos brancos a crescer mais rápido entre quimios.
Entramos no IPO pela primeira vez carequinhas e a Matilde ia toda vaidosa, mas sempre que a abordavam a dizer que estava gira que dói, ela ficava meio envergonhada mas embevecida.
Se no ciclo anterior tinha sido claro para nós que as consequências da quimioterapia tinham chegado, este ciclo trouxe à nossa vida pessoas que jamais vamos abrir mão!
Pequeno parênteses:
No IPO existe uma camaradagem muito grande entre a maior parte das Mães/Pais que lá estão. Se existe alguém no mundo que sabe o que estamos a passar, somos nós mesmos e por isso às vezes apenas um olhar conforta mais que um abraço. Há Mães que fazem internamentos longos e mesmo que não o façam é comum vermos-nos muitas vezes naqueles corredores atrás dos nossos filhos com os 'bobis' (carrinhos de soros/quimios) enquanto eles brincam ou andam no carrinho dos flintstones corredor acima, corredor abaixo. Tratamos-nos sempre por Mãe da/o ... e olhamos pelos filhos umas das outras para períodos de almoço, cafés, banhos ou cigarros na varanda. Normalmente quando chegamos ao IPO ainda estamos no nosso mundo, a digerir a notícia que nos foi dada, a fazer a aceitação do diagnóstico e tratamento (quando o há). Mas com o passar do tempo vamos mais vezes à sala de brinquedos e actividades, vamos dando uma palavrinha, vamos perguntando qual é o cancro que ataca cada um dos nosso filhos e trocando ideias, vivências, experiências, impressões, maneiras de ver a doença e trocando força.
Naquele ciclo, vi que ainda continuavam lá do ciclo anterior, a Mãe do Gui, a Mãe da Maria Inês e um adolescente.
E ainda quando nos estávamos a instalar no nosso quarto, a educadora informou-nos que naquele dia tínhamos umas surpresa! Vinha toda a equipa do Star Wars para ver os meninos. E que surpresa foi! Tirámos fotos com o Stormtrooper e com o Darth Vader e os seus amigos. A Matilde tinha algum medo de tirar as fotos sozinha, por isso tirou-as no meu colo.
Toda aquela algazarra à volta daquelas figuras, permitiu quebrar um pouquinho do gelo entre Mães, que também queriam tirar fotos com as figuras. Tirei uma foto à Mãe da Maria Inês com o Stormtrooper e trocámos os números pra eu a enviar por whatsapp. Mal sabia eu que cresceria ali uma amizade para a vida! Depois na sala de brinquedos, juntaram os meninos todos e tiraram uma foto. A Maria Inês, o Gui, a Matilde e o R., sendo que existem várias fotos da Matilde abraçada à Maria Inês e de mão dada com o Gui.
Eles foram embora e nós fomos para o nosso quartinho, quando aparece lá a Mãe do Gui a oferecer bolinho que tinha trazido. Bolinho de laranja. E uma vez que a Matilde já dormia a sesta, juntámos-nos todas à conversa à porta do quarto da Maria Inês, onde também estava a Margarida e a Leticya. No quarto em frente estava a Mãe da Yasmin, que estava isolada, tinha vinda da UTM e estava a recuperar os valores. Ficámos ali um pouquinho à conversa e foi ótimo. Criámos laços profundos de admiração, partilha, força, cumplicidade, compreensão, ajuda, etc...
A Matilde iniciou o tratamento, desta vez era a cisplatina. Tinha corrido muito bem da primeira vez, quase sem vómitos, pelo que estávamos otimistas.
As primeiras 24h foram pacificas, mas as restantes foram de vómitos constantes. Qualquer coisa que entrava saía. O padrão era: comer, 1 a 2h depois vomitar, voltar a pedir comida. Chegou a um ponto em que já não entrava comida, então passámos aos gelados. Calipo de morango e limão e epás. Mas o padrão, esse, era quase sempre o mesmo.
Como estes vómitos, apesar de serem alguns, estão previstos que assim sejam e que passem após 1-2 dias do fim da quimio, viemos para casa na mesma.
E aqui descobrimos outro padrão da Matilde. Em casa vomitava muito menos.
Quando regressámos a casa, primeiro fomos ter com os Tios e Avós ao café lá da zona, onde tem baloiços e onde se tinha tornado um hábito irmos todos os dias à tarde brincar. Ninguém queria crer que aquela menina que ali estava tinha saído de um internamento, que tinha estado a vomitar. Agora ela era criança outra vez! A brincar, a correr, a subir as escadas e a descer pelo escorrega.
Ali, naquele recinto, a Matilde tem apenas 5 anos. Pode ser criança e brincar. Não tem que ter a maturidade que o cancro lhe exige, ali ela pode ser ela mesma e dar vida e cor às brincadeiras e aos sonhos, pode embirrar com o primo e pedir ao irmão que a empurre com muita força nos baloiços. Pode dar ordens e querer tudo à maneira dela. Porque na maior parte do outro tempo que lhe sobra é a ela que tem que cumprir tomas de medicamentos, injecções, picadas e acatar indicações dos profissionais.
Por esse motivo, deixamos sempre que brinque à vontade ali e que gaste um pouquinho dos 'créditos' que acumula por bom comportamento. Ali ela pode ser a criança que deveria de ser, sem restrições. Ali ela é a Matilde e tem 5 anos! E está rodeada da família, de amor de verdade!
Maria Inês e Matilde |
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